São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 1994
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'Afirma Pereira' rejuvenesce Mastroianni

ANDRÉA DANTAS
EM LISBOA

Como o Pereira de Antonio Tabucchi, ele é –aos 70 anos– um velho gordo e de mãos trêmulas. Mas referir-se a Marcello Mastroianni desta maneira seria puro sacrilégio.
Concessão feita apenas ao próprio: "Estou velho, estou gordo. Mas rejuvenesço fazendo cinema", disse o ator italiano à reportagem da Folha em meio às filmagens de "Afirma Pereira", em Lisboa.
Baseado no último e premiado romance do italiano Antonio Tabucchi ("Sostiene Pereira"), "Afirma Pereira" conta a história da conscientização política de um velho jornalista na Lisboa salazarista de 1938.
O filme tem direção do italiano Roberto Faenza ("Jonas que Viveu numa Baleia", 1993) e é uma co-produção ítalo-franco-portuguesa, orçada em US$ 4,2 milhões. Blasco Giurato ("Cinema Paradiso") assina a fotografia.
Descoberta poética
Personificação de Pereira para a tela, Mastroianni disse ter se apaixonado pelo personagem. "Principalmente por sua transformação e pela forma quase poética como ela acontece."
"Ele começa a conhecer pessoas e vai descobrindo que vivia de uma forma que não era normal, à parte. Toma consciência de que vive em um mundo perigoso, mas ao descobrir o mundo ele renasce", explicou. "E eu vou ficando mais jovem junto com ele."
O escritor Tabucchi, cujo livro "Noturno Indiano" também virou filme, acompanhou um dia das filmagens na praça São Pedro de Alcântara, no Bairro Alto.
Para ele, "não poderia haver melhor Pereira do que Mastroianni". "Talvez Pereira ainda fosse um pouco mais gordo, mas ambos, além de introspectivos, têm uma certa ironia e melancolia para com a vida", avaliou o escritor.
Mastroianni, instalado em sua cadeira –a única vermelha, a única com o nome do dono– parece alheio às instruções de Faenza e seus auxiliares aos figurantes. Só se levanta na sua hora. Mas percebe tudo o que se passa à sua volta.
Reclama dos fotógrafos, evita os fãs, se recusa a dar autógrafos. O ator se entrega apenas aos cuidados da camareira italiana Angela, companheira de muitos anos.
Comida
Admirado por toda a equipe, não se importa de repetir a mesma cena várias vezes. Mas protesta com o ardor e apetite dos italianos (ainda que evite as massas) se não houver pausa para almoço e jantar. "Na segunda vez que lhe oferecemos sanduíches, ele gritou e exigiu um restaurante", lembrou a chefe de produção Isabel Silva. "Mas esta é sua única exigência", completou a moça.
As filmagens devem acabar no final do mês que vem, e a obra será lançada no Festival de Cannes. "Trata-se de um momento muito oportuno", acredita o produtor José Mazeda, que espera trazer o filme para o Brasil.
"Apesar de a história dos anos 30 ainda estar viva através daqueles que presenciaram essa época (além do salazarismo, o fascismo italiano, o nazismo alemão e as forças antidemocráticas de Franco na Espanha), as pessoas têm memória fraca", avalia Mazeda. "O filme servirá como um aviso", confia.
Para o experiente Mastroianni, "trata-se de uma obra muito importante para lembrar às pessoas que o mundo atual também vive dias perigosos e, como Pereira, é preciso acordar para isso". Não será difícil com o ator –e seu sedutor talento– à frente da tarefa.

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