São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 1994
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Não respira, presidente

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Shakespeare pôs na boca de Macbeth, um de seus mais ricos personagens, palavras que não destoariam se pingassem dos lábios de Itamar Franco. Ei-las: "Se a sorte me quer rei, há de coroar-me sem que eu me mexa".
Os fatos demonstram que a sorte foi pródiga com Itamar. Arrancou-o do ostracismo sem cobrar-lhe um único movimento de dedo.
Os bons ventos o abandonaram minutos depois da posse. Deixaram-no só, para ver como se arrumava. Julgavam ter feito a sua parte.
Tiveram de voltar a soprar em seus calcanhares quando, quatro ministros da Fazenda depois, tudo apontava para o desastre.
O problema do Itamar de então, pré-Fernando Henrique, era que se julgava em condições de agir por conta própria. E gerava uma nova crise a cada movimento labial.
Na fase pós-Fernando Henrique, Itamar voltou a confiar o destino à sorte. Entregou-se novamente à lógica de Macbeth. Boca fechada, transferiu a sede do governo para o prédio da Fazenda.
Itamar colheu belos frutos. Noutro dia, rodeado de amigos, José Sarney brincava: não bastasse a inflação baixa e a popularidade alta, Itamar termina os seus dias no Planalto enamorado de uma bela jovem.
Mas eis que o presidente, num cochilo da sorte, resolve mexer-se. Em fins de setembro, na sua Juiz de Fora, achou de interferir na negociação salarial que entre si entabulavam a Petrobrás e os petroleiros.
Súbito, um assunto que tinha seu curso normal foi deslocado para o Palácio do Planalto. Itamar impediu que a Petrobrás levasse adiante a idéia de demitir alguns petroleiros sabotadores.
Seguiram-se os absurdos. Imaginando que agiam em nome do presidente, ministros celebraram um acordo com os petroleiros. Ignoraram a direção da Petrobrás.
O acordo, inconcebível, foi revogado. Deflagrou-se a greve. O país está sob a ameaça de falta de combustível.
E Itamar, agora, autoriza a Petrobrás a promover as demissões que proibira. Para sorte da sorte, o governo está por um fio. Se tivesse mais três ou quatro meses de mandato, Itamar estragaria tudo.

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