São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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O bom da meia-idade

Por Maria Ester Martinho
Regina Lemos, 45, jornalista, pertence a uma geração de mulheres que conquistou mundos mas, como todas as outras, entrou em pânico à primeira ruga. Para descobrir que loucura é essa –a chamada crise de meia-idade–, a ex-diretora da revista "Marie Claire" entrevistou 96 mulheres de classe média e alta, de 38 a 60 anos. O resultado é "Quarenta" (Globo, 320 págs.), nas livrarias esta semana
–Além do critério sócio-eco
nômico-cultural, que outros você usou para definir suas entrevistadas?
–Procurei mulheres que pudessem ser definidas como mais ou menos de vanguarda –uma vanguarda do pensamento. Queria saber como as pessoas que foram pioneiras nos 60 –entraram no mercado de trabalho e educaram os filhos de uma maneira diferente– estão vivendo a crise de meia-idade e a perspectiva do envelhecimento.
–No que consiste, para essas mulheres, a crise de meia-idade?
–Para muitas, envelhecer é mais complicado do que morrer. Enrugar, perder o viço, a juventude, esse padrão de beleza jovem que impera, são coisas que geram crises, assim como a idéia de que a sexualidade acaba com a primeira ruga. A juventude é uma garantia para uma porrada de coisas. No momento em que ela te falta é que você se volta mesmo para você. Você junta corpo, mente e espírito na maturidade. Antes vêm os filhos, você está em busca da sua coisa profissional, do seu caminho afetivo, é tudo meio separado. A segunda metade da vida é o momento da integridade, o momento em que você verdadeiramente se define como ser humano.
–Então a crise gera conquistas?
–A conclusão do livro é muito positiva. Fomos, por exemplo, uma geração que fez casamentos impensados –a gente queria derrubar a instituição e partiu para o "vamos casar e descasar quantas vezes a gente quiser". Entre as mulheres que entrevistei em "Quarenta", os segundos casamentos são muito mais bem pensados e há uma procura de novas formas de estar junto. Também há tabus que estão caindo, como aquele que dizia que as mulheres não podem namorar ou casar com homens mais jovens. E o livro aponta para a possibilidade de termos um novo padrão de terceira idade –já que o padrão de meia-idade é outro. Tem muitas avós em "Quarenta", todas com a minha cara (Regina é avó de Maria, 6) e nenhuma é aquela senhora de coquinho, chemisier de seda, sapatinho anabela. Vamos ter uma terceira idade muito ativa. Vai ter muita velhinha fazendo palestra, se ocupando de coisas sociais. É um contingente com que o país deve contar.
Não que eu seja uma Polyana. O livro está cheio de sofrimento, dor, coisas conquistadas arduamente –mas tem uma visão muito positiva de tudo isso. Tem a compreensão de que o sofrimento ensina, de que sem o sofrimento você não cresce. Aos 40, você compreende isso.
–Há seis meses você perdeu seu marido, Antônio Valério (ele foi baleado por um rapaz de classe média no Itaim, depois de tentar apartar uma discussão de rua). Os recursos da maturidade te ajudam a viver essa perda?
–Tem uma autora que eu cito muito no livro, Clarissa Pinkola Estés. Ela diz que como a nossa geração passou por barras muito pesadas, muita gente se orgulha de ser "sobrevivente". E ela diz que sobreviver não é mérito nenhum. O mérito é vicejar. A gente tem que ir além da sobrevivência –tem que ficar vivo e crescendo. Isso me tocou muito. Aos 30, eu teria sobrevivido à morte do Antônio.
E eu não quero só sobreviver. Quero continuar viva com qualidade. Não quero escapar a um degrau desta dor, senão não vou vicejar nunca. Isso é um traço muito rico da maturidade. Eu não seria capaz de viver isso com doçura aos 30. Estaria amarga, vingativa.
–Você pretende levar adiante uma campanha contra a violência?
–Com certeza. Já há uma campanha, criada pela Lew, Lara Propeg, que a gente lança em janeiro. Há um abaixo-assinado circulando no Rio e em São Paulo, a gente quer recolher um milhão de assinaturas e entregar, junto com uma série de reivindicações, ao Fernando Henrique. Estou envolvida nisso e vou estar para sempre, se possível. É muito chocante essa coisa de a classe média estar criando uma violência paralela. Eu acho que eu tenho uma missão social mesmo, depois dessa morte do Antônio.
–O testemunho humano está na base do projeto editorial da revista "Marie Claire" (ed. Globo), que você dirigiu por três anos, e de "Quarenta". Qual é a importância do testemunho, para você?
–Gosto muito desta coisa da "Marie Claire" de dar voz às pessoas. Eu trabalhei em todas as revistas femininas do Brasil, e uma coisa que eu não suportava mais era a onipotência da jornalista dizendo coisas às mulheres –faça isso, não faça aquilo, o caminho é esse, o caminho é aquele. O que adianta dizer à mulher que ela precisa dialogar com o marido, se tem horas que não dá para dialogar? Cada indivíduo é um mistério em si mesmo, ele tem que fazer o caminho da descoberta dele. O que a "Marie Claire" –e o livro– fazem é abrir espaço para as mulheres, e não prioritariamente para as que são celebridades, que já têm espaço. Os testemunhos do livro revelam uma grande sabedoria feminina, uma observação da vida e do mundo encantadoras, expressas de uma maneira espontânea. Quem lê sente que ali há mulheres "normais". É uma coisa que ajuda as pessoas a se situarem. A prefaciadora de "Quarenta" diz que o livro a fez se sentir parte de uma comunidade. Isto é serviço. Serviço humano, emocional.

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