São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 1994
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Outra marcha a ré em ciência e tecnologia?

SERGIO M. REZENDE

A mudança da cultura de uma sociedade é em geral um processo demorado, que ocorre ao longo de várias gerações, tendo períodos de avanço e de retrocesso. É isto que está acontecendo no Brasil há várias décadas na área de ciência e tecnologia (C&T).
Nosso esforço de capacitação científica somente começou em 1951, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Ganhou vulto na década de 60 e foi acelerado nos anos 70, com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com o qual a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) passou a apoiar instituições e projetos de pesquisa.
No início da década de 80 começou a primeira marcha a ré em C&T no país. O FNDCT, que em 1975 havia chegado a 1,1% do Orçamento da União, recuou durante a gestão da economia de Delfim Netto para menos de 0,3% em 85, perdendo a capacidade de financiar os grupos novos espalhados por todo o país.
Com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em 85, Tancredo Neves deu à C&T maior prioridade e importância política. O MCT teve papel fundamental para a organização do sistema do C&T e a recuperação da capacidade de pesquisa de universidades e institutos. Porém este período de avanço durou pouco.
Já em 1988, quando o governo Sarney revelava sua verdadeira face, o MCT foi extinto e substituído por uma secretaria de importância menor. A falta de uma política de C&T e a pouca importância que o governo dava ao setor logo se fizeram sentir nas verbas federais para pesquisa. O FNDCT, que em 1987 havia recuperado o valor em dólar de 1980, tornou a cair.
A maior crise ocorreu no governo Collor. O MCT, que havia sido recriado nos últimos meses do governo Sarney, foi extinto outra vez. Enquanto abria as fronteiras do país e expunha as empresas nacionais à competição externa, as verbas para a pesquisa eram drasticamente reduzidas, chegando em 1992 a um terço do valor que tinham em 1987. Enquanto os países com os quais o Brasil deveria competir investiam em C&T cerca de 3% de seu PIB, o valor aqui despendido em 92 foi menor que 0,3%.
Uma das boas medidas de Itamar Franco foi recriar o MCT e entregá-lo a um ministro forte. Os resultados foram imediatos. As verbas federais para C&T dobraram de 92 para 93, foi criada uma carreira de pesquisa para os órgãos federais, os valores das bolsas foram atualizados e vários programas foram iniciados ou retomados. Apesar de todas dificuldades dos últimos dois anos, restabeleceu-se uma certa tranquilidade no setor.
A despeito de nossa herança cultural e das crises dos anos recentes, o Brasil tem hoje uma posição privilegiada no Hemisfério Sul em relação à C&T. O número de pesquisadores, cerca de 30 mil, embora ainda pequeno comparado com os dos países centrais, é o maior da região.
Esse contingente humano, aliado à infra-estrutura de pesquisa instalada, poderá ser decisivo para aumentar a competitividade de nossa indústria neste momento crucial da história.
O novo presidente é um intelectual e com certeza percebe esta questão. Ele também está cercado de intelectuais, e portanto a comunidade científica não deveria ter preocupações quanto a importância que será dada à C&T no próximo governo, certo? Errado! Boa parte da comunidade está preocupadíssima com os rumores sobre a reforma administrativa.
A extinção do MCT é dada como certa, a própria Folha jamais menciona este ministério nas especulações sobre os ministeriáveis. Uma idéia é transformá-lo numa secretaria, como fez Collor, no mesmo nível baixo de várias outras. Pior ainda seria a fragmentação das principais agências e institutos de C&T.
Enquanto a Finep e os institutos de tecnologia iriam para o Ministério da Indústria e do Comércio, o CNPq e os centros de pesquisa básica iriam para outro ministério, talvez o da Educação Superior.
A lógica míope é de que essa seria uma forma de aproximar a pesquisa da política industrial. Porém ela não leva em conta que no mundo atual ciência e tecnologia estão profundamente interligadas, sendo necessário que suas políticas sejam definidas harmonicamente, sob o comando de um só ministério, em articulação com a política industrial.
A lógica de colocar o CNPq na educação superior também não faz sentido. É verdade que as universidades federais têm inúmeros problemas, entretanto eles são de natureza distinta das questões de C&T. Enquanto as universidades federais têm cerca de 45 mil docentes e 90 mil funcionários, que consomem um orçamento anual de cerca de US$ 3,5 bilhões só nas folhas de pagamento, o MCT tem menos de 7.000 funcionários, incluindo os pesquisadores de todos seus institutos.
O orçamento do MCT é de cerca de US$ 700 milhões, sendo 70% destinados à bolsas e aos projetos de pesquisa de universidades e institutos. A anexação da C&T ao MEC vai arruinar a pesquisa fora do Estado de São Paulo e não vai salvar a educação superior.
Afinal, por que o novo governo faria uma reforma administrativa extinguindo um ministério enxuto e eficiente, com um orçamento pequeno, diante de vários outros? Por que outra marcha a ré em C&T no momento em que o Brasil mais precisa dela para aperfeiçoar a base científica e tecnológica de suas atividades produtivas? É difícil encontrar outra explicação que não a miopia daqueles que só conseguem enxergar o Brasil com a ótica de São Paulo.
Neste final de milênio, ou o país fortalece a C&T incorporando-a nas políticas federais para os setores industriais, de saúde, educação, telecomunicações, etc. ou estaremos condenados a permanecer como coadjuvantes secundários na economia global.

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