São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Francês tenta atravessar Atlântico a nado

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

Um francês vai tentar atravessar o Oceano Atlântico a nado. Guy Delage, 42, teme menos o cansaço do que os tubarões.
Delage partirá de Cabo Verde (país insular africano no Atlântico Norte) por volta do dia 15, a caminho da Martinica (ilha francesa do Caribe). A travessia de 3.900 km deve durar entre 60 e 90 dias.
O francês partirá acompanhado apenas por um bote salva-vidas, guiado por piloto automático. Ele estará, no entanto, ligado permanentemente a um satélite que enviará sua posição a um centro de controle em Paris.
O desafio inédito parece absurdo, mas Delage garante que tudo foi calculado –exceto a possibilidade de encontrar tubarões.
O projeto é patrocinado por grandes empresas francesas e permitirá a realização de várias experiências científicas.
Delage não é novato nesse tipo de travessia: foi o primeiro a cruzar o Atlântico em ultraleve, de Cabo Verde a Fernando de Noronha, em 1991, e atravessou o oceano várias vezes em barcos.

Folha - Por que não nadar até o Brasil? Seria mais curto.
Guy Delage - Por causa das correntes marítimas. Se descer para o Brasil, tenho correntes contrárias que me empurram ao golfo da Guiné e, mesmo que passe por elas, há outras que me empurram para a Guiana. É impossível. Pelo ar, é mais fácil, como fiz em ultraleve. Por mar, é complicado.
Folha - O sr. teria dito que a travessia a nado é mais fácil que em ultraleve.
Delage - Não disse que seria mais fácil. Vai ser mais difícil, porque exige maior sofrimento físico. Por outro lado, pode ser bem menos perigoso. Mas isso eu lhe direi quando chegar. Se o que imagino sobre tubarões correr bem.
Folha - Qual é o maior perigo, em sua opinião?
Delage - São os tubarões, é evidente. É um risco que não podemos calcular. É aleatório. Não temos nenhum conhecimento preciso de seu comportamento em alto mar. Sabemos que são grandes e perigosos.
Folha - Como vai ser passar tanto tempo sozinho no mar?
Delage - O aspecto solidão não me assusta. Haverá muita coisa a fazer durante o dia. Não é fácil nadar durante dez horas, mas é uma atividade que exige concentração e monopoliza a mente. Antes e depois, há muitas atividades: alimentação, recepção e envio de informações. Tudo isso faz com que, na verdade, haja pouco tempo para pensar em outra coisa.
Folha - O sr. teme não poder acompanhar o bote?
Delage - O risco é pequeno. Ele existe se houver ataque de tubarões ou acidente que me obrigue a pensar em outra coisa que não seja seguir o bote. Por outro lado, muitos temem o mau tempo, que poderia aumentar rapidamente a velocidade do bote. Disso, não tenho medo. O bote terá uma velocidade próxima à minha.
Folha - Que distância o sr. nada nos treinos?
Delage - Até 170, 180 km em uma semana. Mas eu nadei, em dois anos, talvez mais que essa travessia. Por dia, farei o equivalente da travessia do canal da Mancha, 25 a 30 km.
Folha - O que sua família e seus amigos pensam disso?
Delage - A maioria dos meus amigos participou do projeto desde o início. Eles viram como tudo foi preparado, os riscos, então ficam menos chocados do que quem sabe disso pela primeira vez.
Quanto à minha família, meus filhos são pequenos (dois filhos, de 9 e 5 anos), então não têm noção. Minha mulher, que conheci depois das minhas primeiras travessias, se acostumou, mas ainda é um pouco difícil para ela.
Minha mãe me conhece. Toda vez é difícil, mas sempre caminhamos juntos. Ela tem 70 anos e sabe que, se faço isso, é porque tenho que fazê-lo e ela aceita.
Folha - Quando o sr. teve a idéia da travessia?
Delage - Em 86, mais ou menos. Tive duas idéias ao mesmo tempo: cruzar o Atlântico em ultraleve e a nado. O projeto do ultraleve pôde ser concretizado mais rapidamente.
Folha - Qual será a importância científica desse feito?
Delage - Progressos nos campos da nutrição, do meio-ambiente, dos materiais –pés-de-pato, máscara–, do conhecimento biotérmico do corpo, vários campos.
Folha - Qual é a chance percentual de sucesso?
Delage - Sou incapaz de avaliar. Se não houvesse os tubarões, eu diria 80%, talvez até 90%. Com eles, impossível dizer.
Folha - Por que os franceses se interessam tanto por esse tipo de façanha?
Delage - Na minha opinião, porque têm a vida muito fácil. Esse tipo de façanha é próprio de civilizações onde há pouco risco e muito assistencialismo. E as pessoas querem sair desse tipo de civilização. Em parte, é meu caso. Nos países em guerra, há heróis de guerra, mas não aventureiros.

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