São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Índice

Preso no trânsito a 100 km/h

JUSTIN MULLINS
DA NEW SCIENTIST

Você sai de viagem num feriadão. O dia está quente e a estrada lotada. À frente, atrás e dos dois lados só há carros, o pára-choque de um encostado no do seguinte.
Aí você tira as mãos da direção, reclina o assento, estica as pernas e abre um livro. Às vezes ergue os olhos do livro e vê a paisagem passando veloz, a 100 km/h.
Bem-vindo ao ano 2050. Rodovias lotadas não são sinônimo de engarrafamento, mas de viajar em alta velocidade. Todos os carros andam juntos, num comboio.
Cada veículo é equipado com sensores para monitorar a estrada e a posição dos veículos que o cercam. Computadores controlam a aceleração, a freagem e a direção.
Os veículos trocam informações por rádio, para que os carros na parte traseira do comboio possam reagir com suavidade e presteza a mudanças na parte dianteira.
Tudo isso pode soar como ficção científica, mas nos EUA há quem considere essencial a automação de veículos.
Segundo Steve Shladover, do Instituto de Estudos do Transporte da Universidade da Califórnia, em Richmond, uma única pista de uma rodovia automatizada poderia comportar pelo menos 6.000 veículos por hora, três vezes mais do que uma pista convencional.
Shladover afirma que as pistas automatizadas também serão mais seguras do que as convencionais.
A cada 160 milhões de quilômetros dirigidos nos EUA, um motorista morre em acidente de trânsito. Cerca de 90% desses acidentes são provocados por erro humano.
Shladover diz que o sistema automatizado reduziria o índice de mortes em pelo menos 50%, dependendo de como o sistema for projetado. Sempre existe um equilíbrio entre segurança e custo.
As rodovias automatizadas não vão aparecer nos EUA antes de 2020. Os problemas que precisam ser resolvidos antes variam desde o desenvolvimento de sensores para monitorar estradas até a criação de programas de computador capazes de administrar os carros nas pistas velozes.
Até a lei norte-americana de compensações por danos causados é um obstáculo que precisará ser transposto. Quem pagará os prejuízos provocados por uma batida entre carros automatizados?
A possibilidade de serem processados em milhões de dólares após cada pequeno acidente deixa os fabricantes de carros inquietos –compreensivelmente.
Mas antes de pensar no problema da lei, os pesquisadores terão que aperfeiçoar técnicas para o controle dos veículos automáticos.
Eles dividem esse trabalho em duas partes: uma delas é a condução do carro e outra a freagem e aceleração. Wei Bin Zhang, um dos pesquisadores em Richmond, vem trabalhando com a condução automatizada desde 1987.
A solução que encontrou foi instalar marcadores magnéticos ao longo da estrada, para que os veículos adequadamente equipados possam segui-los.
Para facilitar o controle do carro, seu sistema utiliza a polaridade dos ímãs como código binário que transmite informações a um computador instalado no carro.
O código fala ao computador o que deve esperar na estrada à sua frente, fornecendo informações tais como a distância até a próxima curva, em que direção é a curva e qual seu ângulo.
Os dados precisam ser repetidos, pois algum marcador pode estar quebrado, ou o carro pode não receber o sinal da primeira vez.
O código também poderia indicar onde o carro estava e qual a distância até a próxima saída.
Ele pode até indicar o tipo de estrada –rodovia principal ou estrada vicinal, por exemplo–, e o computador do carro poderia juntar esses dados com dados meteorológicos obtidos de outras fontes para calcular uma velocidade segura a ser mantida.
Com marcadores colocados em intervalos de dois metros, esse código conteria 500 bits de informações por quilômetro.
Segundo Wei Bin, as informações vitais relativas a curvas requerem não mais do que 30 bits por quilômetro.
Ele sugere que bits extras sejam vendidos como publicidade, sugerindo, por exemplo, ao motorista que tome a próxima saída para ir a determinado hotel ou restaurante.
Wei Bin e sua equipe testaram suas idéias numa pista especial em Richmond, utilizando um Pontiac ano 1985 equipado com direção elétrica, sensores magnéticos e um computador a bordo.
O sistema funciona bem sob condições de teste, mas está longe de estar pronto para ser levado às estradas abertas.
O motorista fica com um computador com teclado no colo, e um monitor de video ocupa o banco do passageiro. Ambos são conectados a um processador, colocado no porta-malas.
O painel contém vários controles diferentes dos comuns. Wei Bin observa que esse carro é um veículo de pesquisas, sem aperfeiçoamentos ergonômicos.
Ele acredita que a computação necessária poderia ser inserida num único chip, e que a instalação toda não acrescentaria mais do que US$500 ao custo do carro.
O sistema ainda não é perfeito. A força do campo magnético se reduz à medida que o sensor se distancia do ímã.
Como o computador pode diferenciar o movimento vertical do carro, quando passa sobre lombadas, por exemplo, e o movimento lateral, quando se desvia do caminho traçado?
A solução de Wei Bin é medir o formato do campo magnético em lugar de sua força, pois o formato muda de maneira diferente quando o carro pula para cima e quando se desvia lateralmente.
Outro problema surge porque estradas de concreto contêm barras metálicas que fortalecem sua superfície e distorcem os campos magnéticos dos marcadores.
Pontes metálicas exercem o mesmo efeito. O desafio, segundo Wei Bin, é criar um programa de computador que seja capaz de reconhecer o campo mesmo quando estiver distorcido.
Se os carros fossem conduzidos com precisão, esse fator por si só já bastaria para aumentar o volume de trânsito que uma estrada pode comportar.
Nas rodovias americanas cada pista tem 3,6 metros de largura, para dar uma margem de segurança aos motoristas. Com a condução a cargo de um computador, as pistas poderiam ser estreitadas, dando lugar para mais pistas em cada sentido.
Controlar a velocidade do carro já é mais difícil. O principal desafio é construir um sensor que seja capaz de monitorar a distância exata do veículo à frente e sua velocidade, numa gama de cem metros a menos de um.
Esse sensor precisa ser capaz de detectar tudo na pista à sua frente, e ao mesmo tempo ignorar os veículos que estão nas outras pistas.
Precisa funcionar com precisão sob todas as condições climáticas e sua produção precisa ser razoavelmente barata. Pensamos que a indústria aeroespacial teria todas as respostas, mas nem radares militares conseguem fazer tudo o que precisamos, diz Shladover.
Por enquanto os pesquisadores trabalham com radares feitos a mão, que só funcionam quando o veículo à frente se encontra a poucos metros de distância.
Sob condições de teste, em trechos de estradas separados para esse fim, Shladover e sua equipe já demonstraram que a condução de carros em comboios funciona.
No mês passado eles dirigiram quatro carros Lincoln Towncar modificados a 90 km/h, com uma distância de apenas quatro metros entre um e outro carro.
Inicialmente ficamos tensos, mas depois nos acostumamos, diz Pete Devlin, um dos engenheiros do projeto e um dos quatro motoristas que passaram por treinamento para dirigir nos comboios.
Não chega a surpreender que os motoristas fiquem tensos. O computador controla o acelerador para produzir a aceleração ou desaceleração necessária, mas não tem controle sobre os freios.
Os motoristas têm que ser extremamente cuidadosos: Se o motorista à nossa frente pisar no freio acidentalmente, todos nós teremos problemas, diz Devlin.
A comunicação via rádio entre os computadores a bordo de carros que viajam em comboios permite que sejam dirigidos muito mais eficientemente do que se fossem controlados por pessoas.
Enquanto computadores a bordo vão controlar os veículos, outros computadores instalados à beira da estrada vão monitorar e controlar os comboios inteiros.
Esses computadores precisarão decidir que carros entram no comboio, de acordo com a vontade dos motoristas. Depois, terão que traçar o caminho dos comboios de acordo com essas informações.
Os veículos se juntarão aos comboios pela linha de trás. Quando quiserem sair, o comboio se dividirá atrás do veículo que sai, para permitir que fique para trás e deixe a rodovia.
Ainda falta aos pesquisadores decidir como os computadores assumirão o controle quando o carro entrar na rodovia, e como o devolverão ao motorista quando ele sair.
Um dos problemas é decidir quando o controle deve ser entregue ao computador. Existe a possibilidade de veículos automatizados e outros controlados manualmente andarem nas mesmas pistas?
Muitos acham que os dois tipos devem ser rigidamente segregados. Os motoristas humanos não podem reagir com a velocidade dos computadores, e podem comprometer a segurança, além de reduzir a eficiência da estrada.
Medidas drásticas já foram propostas para retirar intrusos, incluindo helicópteros com agarradores mecânicos e impulsos eletromagnéticos que fariam um carro infrator parar, fritando seus circuitos eletrônicos.
Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Quais os elementos comuns ao gás de cozinha e gasolina? Bhremen Ribeiro, 16, estudante, São José dos Campos, SP Geraldo Vicentini, do Instituto de Química da USP, responde:
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.