São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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O país do mercadinho

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Às voltas com a tentativa de levar adiante o Plano Real, a equipe econômica do governo parece ter um único objetivo: evitar o "aquecimento" da economia. Ou seja, impedir que as pessoas possam usufruir os benefícios de uma moeda mais estável, programando compras a prazo e transformando em bens a melhoria do poder aquisitivo. Cortar crédito, elevar juros e conter consumo são as palavras de ordem do momento.
Isto porque, como se sabe, o país está longe de possuir um mercado que faça jus a seus 150 milhões de habitantes. A idéia do mercadinho de luxo predomina: poucos produtos para poucos a preços altos. E, segundo se noticia, embora o clima seja de "otimismo", a indústria ainda hesita em partir para a ampliação de seu parque produtivo.
O mercadinho, no Brasil, não é um fenômeno só restrito aos bens materiais de consumo. Ele também funciona no terreno da cultura e do comportamento, sob a forma do modismo. Pegue exemplos de sociedades economicamente mais desenvolvidas: ainda que este ou aquele gênero, este ou aquele estilo, esta ou aquela atitude possam estar em evidência, é fácil constatar que isto não implica uma lógica excludente.
Se você quiser ser hippie, yuppie, intelectual de esquerda, intelectual de direita, amante da música de câmera, do reggae, da world music, do teatro clássico, do cinema de vanguarda, da roupa japonesa, da moda de rua, do hip-hop ou do heavy metal, ok, há um mercado, há um circuito, há uma subcultura consistente para você transitar e atender suas vontades.
No Brasil, o mercadinho não parece permitir tanta variedade. E desta estreiteza, já nociva por marginalizar a maior parte da população, nasce o mais perverso dos modismos –aquele que, para obter seu espaço, precisa, necessariamente, aniquilar o outro.
Mesmo na forma cultural predileta do país, a música popular, o mecanismo se impõe: nos anos 70, a MPB era o máximo, nos 80, era execrada em nome do rock; agora volta, com os mesmo nomes, a ser maravilhosa, e o rock já não tem interesse. Há alguns anos só sertanejos vendiam discos, a seguir, só baianos –e por aí vai. O mesmo para estilos, carros, roupas etc.: como se sabe, neste verão todo mundo vai usar sandália de dedo (que reinava há dez anos e virou cafona); no outro era aquela tipo chinelo (que era cafona e virou chique); no próximo, quem sabe, voltará o velho conga ou a franciscana –já que o tênis Adidas, abandonado há algum tempo, está em plena glória.
Claro que esta dinâmica está no coração da sociedade de consumo. Mas, enquanto em outros países, o peso do modismo é relativo, no Brasil é absoluto: no mercadinho só cabe uma coisa de cada vez.

Ilustração: "'The Tip of Iceberg", escultura de Barbara Bloom, 1991

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