São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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Desenvolvimento: humano e democrático

CÂNDIDO GRZYBOWSKY

Parece uma banalidade, mas não é. Se o desenvolvimento tem algum sentido é o de servir à humanidade. No entanto, entre nós, se produz um debate que dissocia o desenvolvimento desta verdade elementar.
A temática do desenvolvimento surgiu no pós-2ª guerra. A ordem mundial bipolar que então se produziu não dava conta por si só dos problemas da maioria dos países que se situavam na sua periferia: o Terceiro Mundo.
Na verdade, foi a pobreza, a diversidade social, o modo diferente de organizar-se, produzir e viver dos países periféricos que permitiu construir a idéia linear de desenvolvimento-subdesenvolvimento. O diferente tornou-se o atrasado do dominante e o estilo de vida do bloco hegemônico, o modelo a ser buscado. E assim foi.
O aprofundamento da desigualdade no mundo, tanto internamente como nas relações internacionais, só alimentou esta idéia. Até a derrocada do bloco socialista e do fim da Guerra Fria, o debate sobre modelos de desenvolvimento tinha como referência a bipolaridade da ordem mundial, sua capacidade específica em desenvolver esta ou aquela sociedade.
Com o seu fim, sobrou o Consenso de Washington. Ou seja, o domínio absoluto de um modo ecomômico, mercantil, de pensar o desenvolvimento. Antes, ao menos, a questão da equidade e dos objetivos do desenvolvimento constituíam uma referência permanente.
Neste contexto, não é necessário lembrar aqui o que as políticas de desenvolvimento produziram no Brasil e como o país conquistou os status de estar entre as dez maiores economias do planeta. A fome de 32 milhões de brasileiros está aí. A miséria de quase dois terços da população é um fenômeno que salta aos olhos. Sem dúvida, desenvolvemos a economia, mas contra nosso próprio povo. Contra nós, mesmos, em última análise.
O momento é de revisão de tudo o que fizemos. A luta da sociedade por uma inversão de rumo –e no processo até reinventamos a sociedade civil brasileira– vem de meados dos anos 70. Mudamos o regime com as Diretas-já. Estabelecemos uma nova institucionalidade com a Constituição de 88. Elegemos um presidente e acabamos destituindo-o, por corrupção, mudando o governo.
Elegemos, agora, um novo presidente. Será que desta vez mudaremos de modelo de desenvolvimento? Será que, finalmente, o caráter humano e democrático prevalecerão sobre as razões econômicas e de poder?
Em nível internacional, a ONU (Organização das Nações Unidas) organiza uma conferência de cúpula para março de 1995, em Copenhagen (Dinamarca), para discutir o desenvolvimento social. Desta vez, estão em foco: o combate à pobreza, a geração de empregos produtivos e a integração social.
Com a globalização, estas questões se mundializaram e as respostas devem ser da mesma ordem. O que importa nesta conferência é, sobretudo, o modo de enfocar os problemas: trata-se de perseguir o mesmo modelo ditado pelo Consenso de Washington, reconhecendo os efeitos perversos do desenvolvimento econômico e das políticas que o suportam ou, pelo contrário, trata-se de mudar de modelo de desenvolvimento e de políticas?
No primeiro caso, a discussão recai sobre políticas sociais compensatórias. No segundo, se reintroduz, de forma nova e radical, o debate sobre a natureza do desenvolvimento.
Este debate já está dado no sistema das Nações Unidas e das organizações multilaterais. Enquanto o Banco Mundial e o FMI subsidiam a posição dos governos favoráveis a uma serapação entre econômico e social (entre economia e sociedade, na verdade), o PNUD lidera a construção de uma nova visão em termos de desenvolvimento humano.
No Brasil, temos onde nos inspirar. O presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, pode tanto seguir a lógica implacável ditada pelos economistas que o cercam, provavelmente imbuídos pelo Consenso de Washington, ou pode, como bom sociólogo, ver o que se passa na sociedade brasileira.
Sem dúvida, existe no seio da sociedade civil, no coração e mentes de certos grupos, uma lógica genocida, de extermínio e de exclusão. Seus negócios privados, seus bens e a sanidade da economia estão acima do bem-estar de todos, da felicidade humana e da democracia.
Garantir o crescimento econômico a qualquer custo é o objetivo destes grupos e setores. A Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida mostrou, porém, que valores éticos, humanos, ainda são prioridade entre nós.
É possível direcionar o desenvolvimento do país para fazer face à fome e à miséria, identificadas como questões eticamente inaceitáveis, acima de qualquer consideração econômica.

CÂNDIDO GRZYBOWSKI, 49, sociólogo, é coordenador de programas do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas).

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