São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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Riscos do vácuo

O silêncio de FHC, os titubeios na nomeação formal de uma equipe econômica que em essência permanece a mesma e a dispersão da equipe de transição por vários locais distintos, para evitar vazamentos, parecem todos lances de calculada esperteza política. Criam um suspense que engrandece cada vez mais o momento em que o futuro presidente explicitar, afinal, com detalhe, a sua agenda, com prioridades e cronograma.
Mas, enquanto esse momento não chega, corre-se às vezes o risco de ver o que parece sabedoria política transformar-se em incômodo. Pode-se afinal perguntar, diante de tantas cautelas e de uma escassez tão pronunciada de diretrizes, se não há por trás de tudo dificuldades e indefinições mais substantivas. Afinal, o atual momento econômico, mesmo longe de ser grave, está repleto de impasses evidentes.
O principal é, ainda, a sobrevivência da indexação. O IPC-r, a Ufir e a TR repassam a salários, impostos e contratos financeiros uma inflação que se torna, assim, parte da memória do sistema econômico. Quanto mais durar a indexação, mais difícil será reduzir a inflação.
Há de um lado sinais de que o governo encaminha uma desindexação mais agressiva. Anuncia-se por exemplo o fim da correção monetária no balanço das empresas. Mas fazer esse anúncio sem explicar como ao mesmo tempo corrigir salários sem corrigir os lucros é jogar uma sombra de incerteza sobre as decisões empresariais.
Não é apenas a indexação renitente que preocupa. Há também incômodo com a percepção de que o sucesso da estabilização depende de providências mais ousadas no campo do ajuste fiscal. Já se sabe que o IPMF morre em dezembro, mas há rumores de que outros impostos podem ser criados.
Finalmente, o próprio câmbio tornou-se alvo frequente de críticas no meio empresarial e entre economistas. Mas não se pode imaginar mudanças na política cambial desacompanhadas de outras no campo fiscal, da indexação e, em última análise, da própria política de juros reais excessivamente elevados.
A posse do novo presidente, com a força de uma vitória no primeiro turno, gera sem dúvida algum otimismo. FHC parece querer acalmar as expectativas, o que é sempre bem-vindo. Se a política tem horror ao vácuo, em economia o vácuo simplesmente não existe.

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