São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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"E.T." argentino reencontra o fantástico

DA REDAÇÃO

Filme: Homem Olhando ao Sudeste
Produção: Argentina, 1986, 105 min.
Direção: Eliseo Subiela
Elenco: Lorenzo Quinteros, Hugo Soto, Ines Vernengo
Onde: a partir de hoje no cine Belas Artes/sala Oscar Niemeyer

Eliseo Subiela define-se como "homem de uma geração que quis mudar o mundo para mudar o homem". Hoje, ele prefere o caminho inverso: tenta mudar o homem para mudar o mundo.
As palavras desse cineasta argentino que completa 50 anos no dia 27 de dezembro servem também para definir seu filme, "Homem Olhando ao Sudeste", realizado em 1986 e que hoje estréia em São Paulo.
A história diz respeito ao psiquiatra Julio Denis (Lorenzo Quinteros), que um belo dia recebe em seu serviço um louco chamado Rantés (Hugo Soto).
Aí começam as dúvidas. Rantés acredita ser um extraterrestre. Não seria propriamente um ser, mas uma projeção holográfica. Claro que Denis credita a explicação à loucura de Rantés (de resto, ela é explicitamente tirada de "A Invenção de Morel", o romance de Adolfo Bioy Casares).
Os fatos, porém, o levam à dúvida: não existe registro da existência desse homem. Não tem RG, ficha policial, impressões digitais. Nem ao menos é uruguaio.
À crença cega nos dados imediatos, o doutor Denis substitui a dúvida: e se o sujeito que se pretende um E.T. (como poderia ser o Cristo) fosse mesmo um E.T.?
O importante não é que ele seja ou não, mas a instauração da dúvida. De um drama psiquiátrico passamos em linha reta ao filme fantástico: Rantés deixa de ser um louco, um E.T. ou um homem. Torna-se, antes de tudo, um fantasma de Julio Denis (o nome do médico é o mesmo de um pseudônimo de Cortázar, outro mestre da literatura fantástica argentina).
O equilíbrio entre esses dois pólos, a crença e a dúvida, dá força à primeira metade do filme. Na segunda metade, Subiela –que fazia então seu segundo longa; no momento, está rodando seu quinto trabalho– desloca um pouco esse eixo, em favor de outra linhagem, a de Spielberg.
É um cineasta que ele admira profundamente. Em particular "E.T.". Nesse filme, trata-se de passar do desconhecido (o monstrinho extraterrestre) ao conhecido. Em "Homem Olhando ao Sudeste", transita-se do elemento dado (o hospital, o suposto louco etc.) à constituição progressiva do enigma (quem é esse ser?).
Em ambos, porém, o reconhecimento e a admissão do outro jogam um papel central. Em Spielberg, percebe-se a beleza a partir de um monstro. Em Subiela, a crise na vida do médico destrói suas certezas e instaura a dúvida: o não-saber é que o leva adiante.
"Homem Olhando ao Sudeste" se enfraquece um tanto na segunda metade, quando o fantástico deixa de ser o aspecto primordial e dá passagem ao olhar humanista do diretor. Ainda assim, é um filme sem efeitos fáceis, que reata com a melhor tradição argentina –a do fantástico– e justifica a fama de Subiela como uma das esperanças do cinema latino-americano.

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