São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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Doações quebraram 'pureza', diz Cristovam

DENISE MADUEÑO
DANIELA PINHEIRO

DENISE MADUEÑO; DANIELA PINHEIRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governador eleito do Distrito Federal, Cristovam Buarque (PT), prevê que o desgaste provocado pelas doações de empreiteiras este ano possa trazer dificuldades para o PT nas próximas eleições. Para ele, receber dinheiro de empresas "quebrou a pureza" do partido.
Duas construtoras, Norberto Odebrecht e Via Engenharia, doaram R$ 400 mil para a campanha petista em Brasília. O PT-DF decidiu devolver o dinheiro. A seguir, os principais trechos da entrevista de Cristovam à Folha:
Folha - Foi um erro o PT ter recebido dinheiro de empreiteiras na campanha?
Cristovam Buarque - É cedo para analisar. Do ponto de vista do entusiasmo da militância, é óbvio que foi um erro. Todo partido para governar precisa de apoio. No caso do PT não basta isso, mas é necessário o entusiasmo da militância.
Houve um abalo nesse entusiasmo. Nesse ponto de vista, foi um erro. Do ponto de vista estritamente moral, não houve nenhuma ilegalidade. Cumpriu-se o compromisso da transparência.
É muito difícil assegurar que houvesse lucidez naquele momento, de conturbação e crise financeira, para o comitê decidir interromper tudo e não receber o dinheiro.
Folha - Os maiores doadores da eleição foram empreiteiras e bancos. É possível fazer campanha sem a ajuda desses setores?
Cristovam - Eu me dediquei a arranjar votos. Exigi apenas que não se recebesse dinheiro de quem a gente não reconhecesse ter recebido. Bicheiro, traficante.
É preciso descobrir uma maneira que o partido não fique atrás de dinheiro. Se dá ou não para fazer campanha sem o dinheiro delas é um problema, não sei. Na próxima, sem dúvida alguma, o PT não vai receber dinheiro de empreiteira nenhuma.
Depois dessa reação da militância, dessa indignação positiva do partido, é provável que nunca mais se receba dinheiro de empreiteira, e isso faça com que, talvez, a gente tenha dificuldades.
Folha - Devolver o dinheiro, parecendo um empréstimo, não ficou pior?
Cristovam - Não vou analisar isso. É um problema do PT.
Folha - Não pode ser considerado demagogia?
Cristovam - Você é que interpreta. Essa análise não me cabe. O PT é um partido onde os militantes, além de ética, exigem pureza. Receber dinheiro de empresas quebrou a pureza.
A minha geração assaltou bancos, matou gente, para fazer a revolução. Aquilo era feito eticamente, mas não era puro.
A pergunta é se, a partir de agora, essa pureza tornou a ética desmoralizada, se daqui para frente vamos querer ser éticos e puros ou ser éticos como os guerrilheiros.
Folha - Como o sr. responde a esta pergunta?
Cristovam - Não sei o que vai prevalecer. Se os militantes do PT vão optar pela ética com pureza ou por uma ética rígida, restrita, mas dentro das regras do jogo. Negociatas com as empresas o PT não vai fazer. O PT não será não-ético.
Folha - Como o sr. vai conviver com o corporativismo de Brasília, dos sindicatos e de seu próprio partido?
Cristovam - Ainda não sei. Mas a CUT (Central Única dos Trabalhadores) foi um dos primeiros lugares que visitei depois de eleito.
Tivemos uma bela reunião. No fim eu disse: vocês continuam se comportando como se eu ainda fosse candidato. Trazem a mim só reivindicações. Agora eu sou governador, onde estão as propostas? Foi a partir daí que eles perceberam que precisam reinventar o processo sindical. A CUT tem que entrar na geração das propostas e não ficar na das reivindicações.
Folha - Como é a idéia de reinaugurar Brasília?
Cristovam - Ninguém inaugurou a Brasília da sociedade. Até agora só vemos a Brasília da engenharia. É preciso traçar o perfil de como será esta cidade daqui a 30 anos do ponto de vista industrial, por exemplo. Temos que zelar por seu desenvolvimento sustentável.
Precisamos definir Brasília para poder entendê-la. Isso não é uma campanha, é uma meta. Queremos uma revolução cultural. Quero implantar uma idéia de governar com princípios, mas sem preconceitos.
Folha - Como assim?
Buarque - Isso é o contrário do que a esquerda tem feito. Tem tido preconceitos e, às vezes, não tem princípios. Prefere se aliar com o Estado para criar um benefício para a corporação.

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