São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 1994
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Jessye Norman se comove e aplaude platéia

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A noite de sexta-feira no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, foi daquelas que valem por mil dias felizes. A soprano norte-americana Jessye Norman, 49, fez o público viver duas horas de gozo estético.
Seu desempenho provou por que ela é considerada uma das vozes do século. Diva no auge, ela volta ao palco hoje, às 21h, no terceiro e último espetáculo que faz no Brasil.
Os ingressos, muito caros (de R$ 150,00 a R$ 180,00), deixaram de fora boa parte das pessoas. O ano foi marcado pelo afastamento da classe média das salas de concerto. Uma cena que se repetiu na entrada do teatro foi a de pessoas vestidas a rigor mendigando ingressos a quem quer que lhes parecessem rico e generoso.
Dentro do teatro, uma negra da Geórgia, de gestos simples ocultos na gala do vestido, desfiava sua antologia de canções francesas, espanholas e norte-americanas.
Câmeras da TV Bandeirantes gravaram o recital. Quando Jessye terminou a segunda canção das "Cinq Mélodies Populaires Grecques", ouviram-se os gritos da produção da emissora.
A diva não se abalou. Concentrava-se no início de cada música, como se fosse vencer uma distância. O modo de cantar de Jessye espacializa o som, torna-o táctil como uma escultura invisível.
O timbre, variável, vai do aveludado ao metálico. Apesar de ser uma soprano, ela exibe uma tessitura ampla, capaz de percorrer quase quatro oitavas, do agudo ao grave, sem forçar a voz.
Num catálogo racional de vozes, figuraria como soprano dramático. A tarja, porém, não cabe em Jessye, pois ela não se enquadra na escola italiana nem faz do expressionismo histriônico uma profissão de fé. É capaz de viver várias correntes em poucos compassos. Carrega na voz Bayreuth, Nova York, Salzburgo.
O repertório do recital, o mesmo a se repetir hoje, é uma maneira de Jessye mostrar seus recursos técnicos e expressivos. No "Vocalise", de Ravel, provou desenvoltura em peças de bravura. Explorou as mutações rápidas de timbre e altura, foi do tenor à soprano e produziu glissandos.
Já nas "Siete Canciones Populares Espa¤olas", de De Falla, ela passeou pelos quartos-de-tom, os contrastes de sentimentos e as complexidades melódicas de uma obra contemporânea. Sua pronúncia do espanhol é ruim. Mas não importa. Usou as canções modais para talhar extravagâncias.
Deixou o trabalho expressivo para as músicas francesas, cuja língua domina. Foi irônica e coquete na cançoneta de cabaré "Je te Veux", de Satie. Comoveu em leituras delicadas de "Les Chemins de l'Amour", de Poulenc, e "Mon Coeur s'Ouvre à ta voix", de Saint-Saens.
Não é atriz. Por isso, sua versão de "Habanera", da "Carmen", de Bizet, não funcionou em palco. Soou artificial.
O final foi dedicado aos "spirituals", gênero para o qual ela não estudou, mas o tem no sangue. Mais uma vez emocionou, cantando e se agitando como se estivesse numa cerimônia gospel.
Bis
O público uivou, aplaudiu de pé no intervalo, no meio das músicas e, no final, exigiu bis. Jessye o presenteou com um dos "Quatro Últimos Lieder", de Richard Strausss, sua especialidade, um spiritual e 'Azulão" (Jayme Ovalle-Manuel Bandeira). Nesta última música ocorreu a mágica. Jessye pediu que o público cantasse com ela. No meio da música, o coro não segurou a comoção e aplaudiu. Jessye fez a ótima pianista Ann Schein parar, sorriu e, embargada, aplaudiu o público. Uma noite memorável, que, ainda bem, vai passar na TV.

Recital: Jessye Norman
Onde: Teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/258-3616)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 150 a R$ 180

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