São Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 1994
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O voto e a cultura da mendicância

MOACI CARNEIRO

Concluído o segundo turno das eleições, é fundamental olhar para trás e tentar enxergar o que aconteceu.
Candidato a deputado federal pela primeira vez, não possuía a noção exata do cipoal de pedidos que teria de enfrentar na campanha. Sabia, é claro, que o processo político-eleitoral, mesmo depois da CPI do Orçamento, ainda não tivera tempo suficiente para imergir numa fase de depuração cívica.
Até porque a secular cultura do "é dando que se recebe" não poderia ter cedido, do dia para a noite, a um estágio de consciência política em que o eleitor comparece às urnas, não para depositar o voto obrigatório, mas para cumprir um dos estágios da cidadania política.
Não imaginava, porém, que a cultura da mendicância tivesse semblante tão dinossáurico.
Todos pedem e pedem tudo: automóveis, viagens, despesas de lua-de-mel, cirurgias (sobretudo de laqueadura), prestações da casa própria, exames médicos, óculos, dentaduras, kits farmacêuticos, peças de roupa e os dois itens que mais me chamaram a atenção: camisinhas e anáguas. Esta amostra do cardápio eleitoral aponta para o lado iníquo da campanha eleitoral.
Quem pede mais? Talvez os ex-prefeitos. Mas é um páreo duro na disputa peditória com os vereadores. Estes pedem tudo, até coisas sérias! O fato é que, a cada campanha política, o Brasil mais pobre escancara o rosto da miséria.
A sociedade parece inteiramente divorciada da cultura do trabalho. E os candidatos dão uma lamentável contribuição para alargar a mística da mendicância. A campanha é um imenso estuário de promessas e de assistencialismo vazio.
Daí porque o sistema feudal do voto continua. Garantido por um cinturão de protagonistas, pagos para acolitar candidatos, este sistema mantém as rasteiras articulações do emaranhado político, tornando cada campanha um filtro de funções invertidas, com baixíssimo poder de depuração dos caminhos que conduzem ao ardil da ordem.
Os partidos, por sua vez, não cobram qualquer sintonia entre o dito, o prometido e os respectivos conteúdos programáticos. O resultado é que todos os candidatos se transformam em distribuidores de "simpatias" eleitorais, estágio orgásmico da irresponsabilidade política.
A consequência mais imediata é a total ausência de exaltação ao trabalho nos "eventos" eleitorais. Este lado cruel da campanha política revela que quanto mais o candidato gasta, mais o eleitor se desgasta.

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