São Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 1994
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Naná mostra sua educação dos sentidos

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Erramos: 13/12/94

Neste texto, faltou um não no 22º segundo. A frase correta é: "Ganhou uma passagem de ida e volta para o Rio, mas não usou a de volta".
Durante as últimas campanhas eleitorais uma promessa estava na boca de todo candidato, independentemente do partido ao qual pertencia: a prioridade para a educação.
Se o forte dos políticos nacionais fosse dizer a verdade, o Brasil ou não teria mais analfabetos ou estaria prestes a acabar com o analfabetismo no ano que vem.
Já o cidadão brasileiro do mundo Juvenal de Hollanda Vasconcellos, 50, ao contrário dos políticos, vem investindo o seu talento na educação do brasileiro.
Naná Vasconcellos não precisa trabalhar no Brasil. Vive fora do país desde 1970. É um dos músicos mais importantes do ambiente jazzístico internacional.
Tem trabalho o ano todo na Europa, nos EUA, no Japão. Foi por seis anos consecutivos o melhor percussionista do mundo, segundo a revista "Down Beat".
Mas Naná resolveu trocar parte desta agenda internacional para ajudar o Brasil a conhecer o Brasil. Está empenhado em um projeto educacional com crianças daqui.
O resultado de seu trabalho com crianças na Universidade Livre de Música (cujo reitor era Tom Jobim) poderá ser visto hoje e amanhã no Teatro Sérgio Cardoso.
"Eu gosto de pensar que eu venho para o Brasil não como músico de jazz, mas para ensinar folclore às crianças", afirma Naná.
Este trabalho feito agora em São Paulo, que ele chama de "ABC Musical", já foi realizado na Bahia. Naná pretende levá-lo a outras cidades brasileiras, em 1995.
"O berimbau veio de um lugar, a capoeira de outro. A cuíca vem de um lugar, o agogô vem de outro. O pandeiro é árabe, cigano... Isto só existe no Brasil", diz.
O percussionista Naná Vasconcellos começou a trabalhar com crianças nos anos 70, em Paris. Mais precisamente, em um sanatório, com crianças excepcionais.
Naná conta que um psicanalista ouviu-o tocar berimbau e achou que a sonoridade poderia ajudar na terapia infantil. Adotou este ofício por dois anos e meio.
Em sua carreira, Naná Vasconcellos já gravou 14 discos. Apenas dois, incluindo o fundamental "Amazonas" (não disponível), de 1972, saíram no Brasil.
Agora lança por aqui o terceiro, "Contando Histórias" (Velas), resultado da combinação de ritmos e timbres brasileiros com o trabalho ao lado de músicos internacionais.
Naná propõe com sua pesquisa de percussão e voz desenvolver a idéia de uma música visual. A música como pintura: os sons como evocação de paisagens e lugares.
Não por acaso, os títulos das composições são "Fui Fuio (Na Praça)", "Uma Tarde no Norte", "Noite das Estrelas", "Um Dia no Amazonas" etc.
Naná Vasconcellos também será o curador do importante Festival Internacional de Percussão que terá sua segunda edição em Salvador, em março do ano que vem.
Em 1994, o festival foi o primeiro passo de um grande encontro de ritmos de toda a Terra. Para 1995, existe a perspectiva de ele ser mais amplo ainda.
Terá desde um percussionista de latas dos EUA e de músicos eruditos até grupos do Japão, da Indonésia, de Trinidad, do Senegal, de Cuba, da Turquia etc.
"Minha preocupação é que os grupos venham fazer workshops, mostrar às crianças a dimensão percussiva, os timbres e os instrumentos", diz. Mais do que nunca, a Bahia será o tambor do mundo.
Aos 14 anos, Naná já era baterista de orquestra profissional, em Recife. Tocava em bailes com autorização do juiz de menores, mas não podia descer do palco.
Em 1965 foi para o Rio, participar da execução de uma música de Capiba em um festival. Ganhou passagem de ida e volta para o Rio, mas usou a de volta.
Encontrou Milton Nascimento, em início de carreira, e disse que tinha ido ao Rio para tocar com ele. Foi para sua casa e participou dos primeiros discos de Milton.
Em 69, o argentino Gato Barbieri passou pelo Brasil e convidou Naná para tocar com ele. Depois, chamou-o para trabalhar em Nova York. Nunca mais voltou.
Ficou dez meses. Morou com Glauber Rocha e o produtor cultural Fabiano Canosa. De lá, foi para Paris, onde ficou sete anos. Em 77, voltou para Nova York.
Tocou com Jean-Luc Ponty, fez os discos com Egberto Gismonti e iniciou o longo trabalho com Don Cherry (fizeram o grupo Condona). Entrou para o respeitabilíssimo cast da gravadora ECM.
Naná mora em Nova York, mas trabalha pouco lá. Não quer saber de entrar em modismos, não entra no circuito de músicos de jazz. Só toca com quem o interessa.
(Entre eles, Don Cherry e Ornette Coleman. Tocou muito com o norueguês Jan Garbareck, com Keith Jarret e, tocará, em 95, entre outros, com Andy Sheppard.)
A música de Naná está ligada ao movimento. É um rio que não pára de fluir. Daqui pra lá, de lá pra cá, como ele gosta de dizer musicalmente. O vento chamando o vento.
São lições de um berimbau, nos confirmando as coisas de amor, como dizia a velha bossa nova.

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