São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994
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Economia moderna e o direito adquirido

JOSMAR VERILLO

Muitas causas do aumento da pobreza e da desigualdade econômica têm origem nas políticas econômicas elaboradas para combatê-las. A modernização da economia brasileira requer a revisão total das leis trabalhistas e da Justiça do Trabalho, que se tornaram empecilhos ao desenvolvimento econômico do país.
O conceito de direito adquirido, por exemplo, foi mansamente metabolizado pelos agentes econômicos e já é discutido com embaraçosa naturalidade. Existe, por um lado, uma certa simpatia por parte das classes política e jurídica brasileiras por esse conceito, e por outro, uma certa passividade por parte de economistas e empresários em demonstrar os prejuízos que a aplicação do mesmo traz para a economia do país.
Essa distorção econômica teve origem no direito trabalhista, mas já existe a ameaça de ser extrapolada para outras áreas, como pode ser constatado no Capítulo 1 da Constituição de 1988. O princípio do direito adquirido, na interpretação dos magistrados mais ideológicos, prega que, uma vez feita uma concessão, ela passa a fazer parte do contrato ad eternum, não podendo ser retirada por livre negociação entre as partes, ou mesmo por lei.
Como acontece com toda lei que tenta proteger o trabalhador, o direito adquirido acaba prejudicando-o. Os empregadores são proibidos de baixar salário, mas não são proibidos de demitir. O legislador, paternalista, ao editar uma regra dessa natureza, imaginou um ambiente econômico com estabilidade perene, em que o bem-estar só dependesse da manutenção do nível salarial.
Essa é uma linha de raciocínio equivocada, pois em períodos de estabilidade o empregador não tem razão para forçar o salário para baixo e o empregado está cheio de oportunidades no mercado de trabalho. Ao contrário, nos períodos de crise, quando o empregador tem razões para tentar segurar os salários, os trabalhadores têm razões para lutar pela manutenção do emprego, já que o mercado de trabalho está fraco. A situação pede negociação, já que os interesses são convergentes. Ao impedir que a negociação aconteça, o prejuízo é da economia e dos assalariados.
Em uma economia de livre mercado o consumidor escolhe onde, como e quando comprar. Portanto, a estabilidade de emprego está bastante relacionada com o comportamento do consumidor e não do empregador. É evidente que se o empregador nada fizer para ter um produto socialmente valioso ele estará fora do mercado. Mas essa é a exceção e não a regra.
Em um país onde a instabilidade é crônica, as regras do jogo confusas e a carga tributária excessiva, não se pode pretender estabilidade para o mercado de trabalho sozinho. Os mercados funcionam como vasos comunicantes; a instabilidade de um é imediatamente transmitida aos outros.
No serviço público de nosso país, onde, além do salário, o emprego também faz parte dos direitos adquiridos, qualquer redução de despesas em momentos de crise fica inviabilizada. O governo é então obrigado a imprimir moeda ou recorrer a empréstimos para pagar as suas contas, o que gera a inflação, que desestabiliza a economia e aumenta a pobreza. A situação só não é pior devido a uma imperfeição da lei, que impede a redução dos benefícios tomando por base valores nominais.
Com a inflação, os salários se reduzem em termos reais, o que permite a convivência com essa distorção no funcionamento do mercado. No momento em que se vislumbra uma estabilidade monetária, o direito adquirido vai aumentar o desemprego friccional e a profundidade das crises econômicas.
A Consolidação das leis do Trabalho (CLT) é a elegia do direito adquirido, onde de passagem, o poder público determina as preferências, as aspirações, os direitos dos trabalhadores e as obrigações dos empregadores. Quanto aos trabalhadores, a CLT assume que são imbecis que não sabem defender os seus próprios interesses. Os empregadores, indivíduos inescrupulosos, interessados unicamente na exploração dos trabalhadores. É portanto uma receita que combina ódio com paternalismo, com efeitos desastrosos para o desenvolvimento econômico.
Para melhorar a sua posição estratégica no mercado, o trabalhador tem que aumentar os seus atrativos pessoais: conhecimentos, habilidades, experiências, liderança, visão, iniciativa, persistência, entre outros. O poder público, ao invés de interferir no relacionamento entre os agentes econômicos, deveria proporcionar educação para aumentar a qualidade dos seus cidadãos e dessa forma proporcionar um melhor posicionamento dos mesmos no mercado de trabalho.
Na mesma linha de disfunções da CLT, a justiça do trabalho funciona hoje mais como seguro desemprego. Na crise, ao se encontrar desempregado, provavelmente por não ter tido a oportunidade de negociar com o ex-empregador, o trabalhador entra na justiça tentando arrancar algo mais do mesmo, o que acaba acontecendo na grande maioria das vezes.
A probabilidade de reversão desse quadro é remota, pois a justiça do trabalho emprega muita gente, entre magistrados, contadores, secretárias, auxiliares, oficiais de justiça, peritos, entre outros; e as mudanças contam com oposição de sindicatos, funcionários e OAB.
A filosofia do direito adquirido só tem lugar na visão distorcida do paternalismo. Na ética social que se vislumbra para o futuro, isso não é mais aceitável. O país está maduro para a modernização, que passa eventualmente pela revisão total da CLT, da justiça do trabalho e pelo retorno do respeito aos contratos e à cidadania. A modernidade não é um direito adquirido dos povos.

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