São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 1994
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Poupança externa e investimento estrangeiro

OCTAVIO DE BARROS

O balanço de transações correntes de 1994 deverá terminar em equilíbrio e o balanço de capitais positivo em cerca de US$ 10 bilhões. Isto significa que teremos praticamente pelo terceiro ano consecutivo equilíbrios ou superávits de transações correntes simultaneamente a superávits na conta de capital do balanço de pagamentos. Traduzindo: o país está recebendo capitais estrangeiros, mas não poupança externa. Na média dos últimos 11 anos, a poupança externa em relação ao PIB situou-se em 0,22% do PIB, contra 5,28% no período 1974-1984.
Superávits na conta de capital em geral podem financiar déficits em transações correntes ou um ciclo de investimentos que esteja em curso, ou ainda, o acúmulo de reservas cambiais. No caso brasileiro, durante o período recente, a simultaneidade de superávits na conta de capitais e em transações correntes cumpriu a missão de viabilizar o acúmulo de reservas, elemento modal do plano de estabilização em curso.
Encerrada a fase de engorda das reservas, ficam as perguntas: o que fazer com os capitais que aportam aqui em profusão mas que não estão mais financiando reservas, nem déficits em transações correntes e tampouco parecem estar financiando um novo ciclo de investimentos? O que fazer para impedir os impactos monetário, fiscal e cambial, e ao mesmo tempo tirar proveito do cenário internacional favorável aos países em desenvolvimento?
Primeiramente, é importante que se diga que todas medidas de taxação de IOF para inibir os ingressos líquidos de capital estrangeiro, ainda que justificáveis e necessárias, não poderão se perpetuar até que a estabilização seja totalmente completada. Sabemos que o processo de estabilização para se consolidar ainda tomará pelo menos dois anos de perseverança da política econômica. Isto se o governo for apoiado na implementação das reformas estruturais propostas. Não seria razoável esperar ainda dois anos ou mais para se tirar proveito do novo ciclo de transnacionalização produtiva e de financiamento que está em curso, até porque o cenário internacional que hoje é extremamente favorável aos países em desenvolvimento, em termos de investimentos diretos produtivos e de financiamento externo, pode não sê-lo quando então se decidir pelas políticas de desenvolvimento.
Nos últimos anos, o crédito privado mundial simultaneamente aos investimentos diretos produtivos têm crescido de forma espetacular em direção aos países em desenvolvimento. Em 1993, foram US$ 80 bilhões de investimentos produtivos e US$ 85 bilhões de crédito privado. Em ocasiões importantes de sua história econômica, o Brasil soube identificar quais eram as oportunidades existentes no cenário internacional e tirou proveito delas promovendo políticas ativas de inserção internacional.
Convém agora não deixar de ter a mesma competência. Vale dizer, a alternativa mais razoável hoje é a geração de um déficit em transações correntes, de preferência um déficit construtivo. O que se defende aqui é a produção de um déficit para crescer e para competir melhor e não para estagnar. Portanto, um déficit que transforme os capitais estrangeiros em poupança externa.
Ao contrário do que se advoga com frequência, não há razões objetivas, no caso brasileiro, para repertirmos a experiência de outros países em desenvolvimento onde, uma vez iniciado um déficit em transações correntes, ingressaram em um franco processo de desindustrialização e de forte dependência de capitais externos. Ora, apresentar a economia brasileira como a mais provável próxima vítima da desindustrialização na América Latina é subestimar o seu dinamismo jogando-a na vala comum dos desconectados e dos países que não consolidaram um amplo, complexo e integrado, tecido industrial. Julgar que um déficit tem transações correntes, levará a uma perda de controle restabelecendo rapidamente o constrangimento externo é também subestimar os efeitos benfazejos da estabilização sobre o crescimento e sobre a competitividade sistêmica de uma economia bastante diversificada em termos de produção e de comércio externo.
O momento é bastante favorável para a retomada dos investimentos dado o reduzido grau de endividamento privado no Brasil. Não dá para segurar os fluxos de capital eternamente e não há sentido em esperar que um dia o país disponha de uma situação fiscal que o habilite a absorver liquidamente capitais na proporção de pelo menos 2% de seu PIB. Esta tese da restrição fiscal, ainda que verdadeira, é frágil diante do reconhecimento de que o principal problema da economia brasileira é de financiamento do desenvolvimento que, por seu turno, não pode aguardar o pleno e irrestrito ajustamento macroeconômico. Os financiamentos externos disponíveis são de longo prazo e a custos bastante manejáveis.
Convém registrar que apesar de indesejável, alguma valorização do câmbio é inescapável até que o país complete um ciclo de liberalização das operações cambiais. Esta visão não pode ser amalgada no rol de atitudes lenientes com relação ao imperativo da competitividade. Apenas reforça o quase consenso de que as políticas para se enfrentar a acirrada concorrência internacional são fundamentalmente de outra natureza. Além disso, é importante que reconheçamos também que em todo mundo, e não apenas no Brasil, os determinantes financeiros da taxa de câmbio tornaram-se preponderantes. A título de exemplo, o balanço de pagamentos agregado dos países industrializados mostra que a conta de capital que em 1980 representava 28,1% do balanço total, passa a 43,1% em 1986, atingindo 68,3% em 1992. Da mesma forma o movimento de capitais passa de 14,3% do PIB daqueles países em 1980 para 89,2% em 1992. A taxa de câmbio tende cada vez mais a deixar de ser o principal elemento estratégico para se garantir espaço nos mercados externos.
O último ponto a destacar refere-se à necessidade de se estimular os investimentos diretos de longo prazo. Em se tratando de investimento produtivo, onde o processo decisório é longo, não é necessário aguardar situações ideais. É melancólico observar que em um momento no qual os países em desenvolvimento absorvem fluxos crescente de investimentos produtivos diretos (43% do total em 1993), o Brasil perde participação relativa naqueles fluxos mundiais. Depois de absorver nos final dos anos 70 mais de 7% dos fluxos globais de investimento direto e de mais de 30% dos destinados aos países em desenvolvimento, o Brasil em 1993 se apropriou de apenas 0,69% e 1,63% destes fluxos respectivamente. Esta também é a hora de se começar a modificar o mix dos capitais estrangeiros no Brasil.

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