São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 1994
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Surpresa e saudade entram em campo hoje

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O Corinthians passou a véspera alçando bolas para a cabeça de Viola na área. Apesar da cordilheira negra que protege o gol palestrino, cujos picos maiores são conhecidos por Tonhão e Cléber, não é má idéia. Talvez, uma vaga lembrança do gol-espírita desse endiabrado Viola, na primeira rodada da última decisão, quando o avante corintiano foi buscar na linha de fundo a bola que fizera um arco-íris sobre a pequena área palmeirense. Falo de gol-espírita numa reverência à tradição, marca indelével do encontro desses dois gigantes do futebol.
É bem verdade que a expressão ficou definitivamente cunhada nos anos 50, sem a participação do Palmeiras. A vítima foi o Corinthians, mais precisamente, o grande Gilmar dos Santos Neves. O algoz, um negro alto, desengonçado, que parecia ter saído de um terreiro de macumba direto para o Pacaembu. Chamava-se Benedito e seu maior problema era com a bola. Enroscava-se nela, pisava-a e ela escapulia pra lá, pra cá, enquanto o pobre Benedito tentava amansá-la em vão. Até que humilhada, maltratada, sofrida, a bola revoltava-se e aplicava-lhe uma surra daquelas.
Pois bem, nosso heróico Benedito, no último minuto, jogo perdido, disparava lá pela ponta-direita, em direção à linha de fundo dos portões-monumentais, como se dizia na época em que o Hanni Barbara nem sequer sonhava com o Tobogã, no lado oposto, onde se erguia uma elegante e fina concha acústica.
Mas voltemos ao campo a tempo de vermos o nosso incansável e veloz Benedito atrás da bola perdida, lá longe, buscando célere a linha de fundo, com um olho assustado às costas, vendo crescer aquela sombra negra e ameaçadora. No limite do campo, deu-se o encontro e o chute de primeira. Até hoje, quem viu não acreditou. Nem mesmo pode explicar o que aconteceu de verdade, se foi um sonho tricolor ou um pesadelo corintiano. O fato é que a bola morreu no ângulo esquerdo de Gilmar, a quem não restou nada além de um sorriso de descrença.
Esse foi o gol-espírita que ganhou manchetes e imortalizou Benedito, que, cumprida sua sina histórica, recolheu-se ao mais denso anonimato.
Houve um outro, por aqueles tempos, mais plausível. Era um Corinthians e Palmeiras sobre o qual não restava a menor dúvida, como diria Aracy de Almeida, a Dama da Central rodrigueana: o Palmeiras era franco favorito, tinha um timaço, enquanto o Corinthians começava a amargar suas duas décadas de fila.
Mestre Brandão, então, resolveu escalar Paulo, um centroavante tosco e rompedor, na lateral-direita. Sim, senhores, na lateral-direita, um centroavante.
Juiz com o apito na boca para encerrar o jogo, e Paulo dispara um canhonaço lá do meio-campo. E aqui entra o imaterial: a bola literalmente atravessa dezenas de corpos, amigos e inimigos, até morrer no fundo das redes palestrinas.
E o que isso tudo tem a ver com a decisão desta noite? Nada e tudo. Tento divagar um pouco, para relaxar a tensão, desviar a atenção de corintianos e palmeirenses.
Mesmo porque, quando Corinthians e Palmeiras se enfrentam, junto com os jogadores entram em campo também a saudade, a surpresa e o imponderável. É disso que estou falando.

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