São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 1994
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Busca incessante do amor conserva "A Múmia" há mais de 3.000 anos

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os monstros famosos dos estúdios Universal, nos anos 30, não eram criaturas sanguinárias, mas trágicas. Drácula, Frankenstein e a múmia mostravam-se mais interessados em encontrar amor do que em matar, esmagar, destruir.
A múmia do filme homônimo, interpretada por Boris Karloff em 1932, é o mais romântico dos monstros hollywoodianos.
Um sacerdote egípcio condena sua alma pela paixão de uma princesa. Ao despertar como uma múmia, após 3.000 anos, acaba conhecendo a reencarnação da nobre egípcia. Ele a seduz, lembra seu passado e a convence a se deixar matar, para depois ressuscitar como uma imortal –a pretexto de "viverem felizes para sempre", como em "Drácula". Mas os homens da década de 30 não concebem o romantismo milenar e tudo termina em frustração.
A trama chega a sugerir uma fábula distorcida, como "A Bela Adormecida" numa noite de pesadelos. Na verdade, a inspiração vem do romance vitoriano "Ela", de H. Rider Haggard (rendeu três filmes homônimos, o primeiro em 1925 e o último, com Ursula Andress, em 1965). No livro de 1887, uma mulher imortal idolatra um homem morto, até encontrar a reencarnação de seu amante.
O roteiro mostra encanto por nomes sonoros, que evocam criações de "pulps" (literatura fantástica barata). Karloff interpreta o sacerdote Im-ho-tep e o egiptólogo Ardeth Bey. Zita Johann faz a princesa Anck-es-en-Amon e a heroína Helen Grosvenor. O elenco ainda conta com Edward Van Sloan, que repete, como o Professor Muller, o papel de Dr. Van Helsing, que tinha protagonizado um ano antes em "Drácula".
O filme é notável pela atmosfera sinistra. Não há nenhuma cena explícita. Karloff sequer aparece matando suas vítimas. Mas a imagem de uma mão envolta por gazes putrefatas ou um grito no escuro sugerem o pior.
Em preto-e-branco sombrio, "A Múmia" vive graças à direção de Karl Freund, que começou como diretor de fotografia do clássico "Metrópolis" e de "Drácula" e mais tarde foi dirigir episódios da telessérie "I Love Lucy".
Karloff, perfeito como a primeira múmia do cinema, movimenta-se com a dificuldade de um morto-vivo corroído por vermes. Dos minutos iniciais, envolto por bandagens, às feições hipnóticas de sua identidade humana, o ator parece estar à beira da deterioração. Não é de surpreender que ele manifeste horror ao toque humano durante a trama.
É interessante reparar o subtexto do filme. Ao contrário de "Frankenstein", a ciência de "A Múmia" representa o lado do "bem", enquanto a religião (mitologia egípcia) fica com o carma do "mal". A paixão surge como uma força perigosa, ancestral, incontrolável. Sua cura é o esquecimento, a renegação do desejo e do passado. Num psicologismo rasteiro, a paixão da mocinha sugere uma representação da luta entre o id e o superego pelo controle da consciência. Vence a adequação à sociedade.
Mas o produtor Karl Laemmle Jr. não devia ter conceitos muito sofisticados na hora de rodar o filme. O orçamento de "A Múmia" tinha limitação de filme B. A economia na Universal era tanta que as sequências de "flashback" no Egito antigo, filmadas por Freund, acabaram sendo reutilizadas em uma série de produções sobre múmias nos anos 40.
"A Múmia" deixou mais do que restos de fotogramas como herança. Até 1994, com um embalsamado Tony Curtis no papel de múmia ("The Mummy Lives"), os sacerdotes egípcios insistem em voltar à vida em busca de amores perdidos.

Vídeo: A Múmia
Direção: Karl Freund
Elenco: Boris Karloff, Zita Johann, David Manners, Edward Van Sloan
Produção: EUA, 1932
Lançamento: Opção/Continental (tel. 011/284-9479)

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