São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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A realidade mais próxima

JANIO DE FREITAS

A composição do ministério não caiu bem. Nem mesmo para o fernandismo impresso, no qual se lêem expressões como "rendição de Fernando Henrique", "ministério de conveniência", "loteamento do governo", "descumprimento da promessa de um ministério de jatenes". Melhor seria um ministério de nível estimulante, mas nem por isso a decepção com estezinho é de todo negativa: ajuda a aproximar da realidade as expectativas exageradas quanto ao próximo governo.
Ao admitir mudanças nos nomes já divulgados, Fernando Henrique deu o sinal de que sentiu o impacto da reação ao ministério, seja a dos segmentos políticos insatisfeitos, seja a decepção mais generalizada. Não tem mais, porém, como reverter o acontecido. Uma vez entregue à adaptação do ministério às conveniências de correntes políticas, quaisquer rearrumações de nomes ou de lugares só se dariam com a mesma sujeição ao politiquismo convencional. Quem recebeu o seu quinhão não o cede mais, no máximo o negocia pelas mesmas regras do jogo antes aceito.
A falta de criatividade política para escapar ao convencional condenado agravou-se, no caso, com o argumento que a explicou –a necessidade de compor, no Congresso, o apoio partidário suficiente para aprovar alterações da Constituição. Mas, dos ministros-políticos divulgados, ou seus aliados partidários já estavam comprometidos com o futuro governo (caso dos representantes do PFL, do PTB e do PSDB), ou não representam mais do que facções mínimas dos seus partidos, se é que representam alguém (caso de Nelson Jobim e Odacir Klein, do PMDB). A composição do ministério nada acrescentou à base parlamentar de Fernando Henrique e nada mudou na perspectiva das mudanças constitucionais: cada bancada, não importam quais e quantos sejam os seus ministros, só vai se definir diante de uma a uma das propostas do governo, segundo as razões individuais e políticas.
O percurso do senador eleito José Serra entre o desejo de comandar toda a economia e a obtenção do Ministério do Planejamento, este engordado por concessões para que o "escolhido" aceitasse a vitória apenas parcial, deixou também impressões muito onerosas.
Fernando Henrique fortaleceu os que têm, mesmo sendo seus correligionários, a convicção de que não resiste a pressões. É o "Queixo de Vidro", como estão dizendo. O comentário do ministro Ciro Gomes sobre a indicação de Serra não tem importância, é parte da brigalhada de botequim, com rasteiras e garrafadas pelas costas, que acontece no PSDB. Mas Serra, em troca da sua vitória, teve que se ver caracterizado, na imprensa afora, como um ambicioso e vaidoso desmedido, individualista e prepotente, fator de quebra da unidade do governo e de conflitos que vão ameaçar o Plano Real. Não é uma boa imagem para iniciar o seu projeto no governo, exigindo-lhe um período de cuidados cerimoniosos provavelmente longo.
Nos últimos dias, as fantasias da imaginação e da propaganda perderam muito terreno e a realidade o ocupou, o que é muito bom.

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