São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994
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Derek Walcott recria a tradição no Caribe

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

O caribenho Derek Walcott tem uma teoria sobre poetas. Os melhores vieram de ilhas. Como Shakespeare ou Homero.
Ou ainda como o próprio Walcott, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1992 e autor de uma "releitura" das narrativas clássicas do Ocidente: "Omeros", a transposição da "Odisséia" de Homero para uma aldeia de pescadores do Caribe, que a editora Companhia das letras acaba de lançar no Brasil.
Walcott nasceu há 64 anos na Ilha de Santa Lucia, uma ex-colônia francesa e inglesa, que faz parte do arquipélago das pequenas Antilhas, no Caribe.
Apesar de não poder ser considerado um autor popular, já publicou oito coletâneas de poemas nos EUA e, desde 1985, era considerado forte candidato ao Nobel.
Algo que só aconteceu sete anos depois, em parte pelo espanto e surpresa que "Omeros" trouxe para uma crítica desesperançada, descrente da possibilidade das grandes narrativas. Ainda mais em versos, contando a história e tradição de Santa Lucia. Um épico que o próprio Walcott definiu como uma longa nota de agradecimento para o lugar de onde veio.
Como no célebre verso do inglês John Doone, também em Walcott, o homem é uma ilha. E, como nos mostra "Omeros" (com primorosa tradução de Paulo Vizioli), também a história, as tradições e a língua de um povo.
Mas porque recorrer ao arquétipo de Homero para criar seu "Omeros"? Em entrevista por telefone à Folha, de um hotel em Nova York, Walcott mostra que, de alguma forma, a história contada no poema está ligada a uma "tradição homérica": "A história que eu descrevo, o lugar de que falo estão ligados a uma voz épica. O meu trabalho é trazer à tona os ecos dessa voz para o presente."
"Omeros" narra, através de versos, a história do triângulo amoroso entre Achile, Helen e Hector, que atravessa todo o livro. "Omeros" conta também histórias impossíveis de se resumir. Sobre a tradição, o mar e o passado colonial. E também uma história da língua. "Minha terra foi uma colônia. Culturalmente falando, inglês é a língua que aprendi. Essa é a língua com que me expresso, a língua que temos: o inglês."
Um inglês que passa pela tensão e apropriação, misturado às expressões locais e ao francês "creole" de Santa Lucia.
Não há, então, como qualificar um poeta moderno que define a língua de seu lugar, como em "Omeros". Talvez por isso Walcott recuse uma definição, uma maneira de ser explicado: "Eu não posso me conceber como um autor moderno ou clássico ou qualquer desses outros adjetivos que os outros usam para conceber meu trabalho. Nem ao menos considero 'Omeros' um livro clássico. Suas referências ao Caribe são por demais contemporâneas para podermos chamá-lo de clássico", diz.
Ainda quando fala sobre a língua, Walcott não vê a literatura surgida das colônias (considerada uma espécie de salvação para a língua inglesa) com qualquer espanto. E nem como uma revanche terceiro-mundista à tradição do romance e do poema europeu.
"Eu não acredito que isso possa conter alguma conotação política ou ser entendido como uma 'vingança cultural'. Não acredito em um ataque cultural das colônias. O surgimento desses autores –como Ben Okri– são apenas o resultado de um fato: a experiência colonialista inglesa no mundo. E o processo de independência desses lugares."
Um mundo que é sua Santa Lucia. Ou ainda, como escreveu o também poeta Joseph Brodsky: "A verdadeira biografia de um poeta é quase idêntica à dos pássaros. Reside nos sons que emitem. Repousam na sua linguagem." Como Derek Walcott. Como em "Omeros".

Título: Omeros
Autor: Derek Walcott
Lançamento: Companhia das Letras

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