São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994
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Passado e futuro na ciência e tecnologia

JOSÉ GOLDEMBERG

Reescrever a história é um procedimento usado por regimes totalitários, ou grupos com paixões políticas extremados, que foi sempre repudiado por cientistas sociais, em particular pelos historiadores. Por essa razão, causa espécie o esforço de alguns em distorcer e denegrir o que se passou na área de ciência e tecnologia no passado e tecer loas ao que se passa no presente.
Uma análise objetiva do que se passou no passado é importante para evitar erros futuros. E a verdade é que muito se fez nesta área de 1990 a 1992, abrindo caminho para uma revalorização do setor. O que não se fez, contudo, neste período foi ceder ao corporativismo procurando as soluções fáceis e populistas que certamente iriam comprometer o futuro. A impressão nítida que se tem é que esses setores corporativistas temem agora perder seus privilégios ou o espaço que lhes permitiria conquistar outros.
A primeira das ações do governo Collor foi colocar ciência e tecnologia dentro do contexto de modernização e da integração do país no contexto internacional, e não apenas como uma atividade isolada que se restringia à distribuição de bolsas e auxílios aos cientistas. Uma política de ciência e tecnologia é claramente mais do que isso.
Neste contexto, coube à Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, com a aprovação do Congresso Nacional, remover gradualmente a reserva de mercado da informática que impedia não só o reequipamento das universidades como também a modernização de vários setores industriais.
No período de três anos desde então, computadores caíram dramaticamente de preço e sua qualidade melhorou sensivelmente.
Ao mesmo tempo, foi removido todo o contencioso e suspeitas dos Estados Unidos e outros países nas áreas consideradas estratégicas de energia nuclear e atividades espaciais, que criavam sérias dificuldades para a importação de equipamentos sofisticados como supercomputadores.
Só como exemplo, pode-se dizer que a solução destes problemas permitiu a instalação de um grande centro de computação e previsões climáticas no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Além disso, foi renovado o importante programa denominado PADCT do Banco Mundial (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que correu sério perigo de não ser renovado. Este programa beneficia os setores científicos mais próximos das aplicações industriais.
É bem verdade que a tradicional fonte de financiamento da pesquisa acadêmica, que era o Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) não foi reconstituído, o que é um motivo permanente de frustração e ressentimento de parte da comunidade científica.
A deterioração deste fundo se arrastou durante toda a década dos 80 e o fracasso dos planos econômicos impediu que ele fosse resolvido, o que aliás não ocorreu até hoje.
A única razão pela qual a situação melhorou um pouco no último ano foi a disponibilidade de parte dos recursos das privatizações destinados à pesquisa científica, privatizações essas iniciadas no governo anterior.
Por outro lado, no atual governo não se conseguiu evitar o desmonte de parte da área científica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e foi promovido um "trem de alegria" para beneficiar funcionários de apoio do CNPq e outros institutos –o que, na prática, inviabilizou uma melhoria salarial real dos pesquisadores, já que os recursos disponíveis são finitos.
Algo semelhante aconteceu nas universidades onde, em nome de uma discutível democracia, reitores passaram a ser eleitos e o governo simplesmente passou a homologar os resultados de eleições "paritárias", o que certamente não foi o caso anteriormente, quando critérios de qualidade eram essenciais para a escolha de reitores.
Essa é uma política que, junto com uma grande liberalidade na distribuição de recursos, gerou um bem-estar passageiro e popularidade do ministro da área, mas que só agravou os problemas estruturais do setor.
É por essas razões que o novo governo de Fernando Henrique Cardoso enfrenta decisões difíceis nas áreas de educação, ciência e tecnologia. A melhoria deste setor –importante para a modernização do país– vai exigir medidas duras e corajosas que têm pouco a ver com o seu status formal, como ministério ou secretaria especial, o que é um falso problema.
O problema real é a importância que o novo governo vai dar –e os recursos que vai alocar– à área de ciência e tecnologia e como vai gerenciar as universidades, onde a maioria destas atividades se concentra.

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