São Paulo, sábado, 24 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Área de livre comércio das Américas: desafio para o Brasil

JOSÉ ARTUR DENOT MEDEIROS

Entre as decisões adotadas pelos chefes de Estado na recente Cúpula das Américas, realizada em Miami, assume particular importância para o Brasil o lançamento das negociações para a conformação da chamada "Área de Livre Comércio das Américas" (em inglês, "The Free Trade Area of the Americas" – FTAA).
Olhando para trás, para o começo de 1994, quando foi convocada a cúpula, este resultado é até certo ponto uma boa surpresa, uma vez que apenas nos estágios finais das negociações preparatórias é que o tema comércio e integração ganhou impulso. Só nas últimas semanas o governo norte-americano se dispôs a negociar, para adoção em Miami, o princípio –e a uma metodologia adequada de negociação– do lançamento da FTAA.
Fixou-se o ano de 2005 como meta para a conclusão das negociações para a constituição da área hemisférica, sendo que, até o ano 2000, "progressos substantivos" deverão ter sido alcançados nas negociações. O horizonte temporal de dez anos não é distante; ao contrário, parece realista, dada a complexidade do desafio de congregar em esquemas de integração com abrangência e graus de liberalização também diversos.
Ademais, é compatível com o horizonte de consolidação da União Aduaneira do Mercosul (2001) e com a perspectiva de negociação de acordos de livre comércio, em 1995, entre o Mercosul e seus sócios da Aladi, dentro da concepção originalmente brasileira, hoje encampada pelo Mercosul, de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana. Mais importante do que um prazo para a conclusão das negociações é o fato de que se adotou, em Miami, um cronograma, a começar já no próximo ano, com previsão de realização de encontros ministeriais em 1995 e 1996, para direcionar o trabalho.
Por outro lado, a área de livre comércio se construirá com base numa aproximação e compatibilização dos esquemas subregionais de integração hoje existentes. É um enfoque gradualista e pragmático, pois está assente naquilo que hoje presenciamos na região, que é a consolidação de processos subregionais tais como o Mercosul, o Grupo Andino, o Nafta, o Caricom e o Mercado Centro-Americano. A articulação entre os diferentes agrupamentos, sem prevalência de nenhum, se fará por meio de contatos diretos entre eles.
Por exemplo, o Mercosul e os EUA utilizarão o mecanismo de consultas existente (o chamado acordo quatro mais um) para este fim; se o Nafta assim o desejar, o quatro mais um poderá transformar-se num quatro mais três, talvez de maior fluidez. Ademais, a Organização dos Estados Americanos, (OEA) por intermédio de sua Comissão Especial de Comércio, ficou encarregada de coletar e sistematizar a informação relevante, bem como conduzir os estudos técnicos que se façam necessários.
O reconhecimento do papel central desempenhado pelos agrupamentos regionais preserva o interesse mais imediato do Brasil na consolidação do Mercosul, que a partir de janeiro de 1995 ingressa em nova etapa, ao converte-se em União Aduaneira dotada de personalidade jurídica internacional.
É através do Mercosul e baseado em sua força que o Brasil negociará sua penetração no grande mercado hemisférico que se desenha para o futuro de médio e longo prazos. O Mercosul adquire, assim, ainda mais importância, pois se transforma em campo de ensaio para a empresa nacional se preparar para a competição continental, ainda mais acirrada.
Outro ponto a ser ressaltado é que ficou claro, em Miami, que os esforços para a criação do espaço econômico hemisférico se farão com pleno respeito aos compromissos multilaterais, e sem que sejam edificadas barreiras aos países de outras regiões. Trata-se do que chamamos de "regionalismo aberto", que procura gerar fluxos adicionais de comércio entre seus membros, sem desviá-los de outros parceiros, além de propiciar ganhos de produtividade e maior atratividade para investimentos, pela escala ampliada do mercado.
A todos os países da região interessa o reforço do sistema internacional de comércio baseado em regras de aplicação universal. Para isso é essencial a ratificação dos acordos da Rodada Uruguai, com a pronta entrada em operação, a partir de janeiro de 1995, da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em nosso caso, o Congresso Nacional aprovou há poucos dias os acordos da Rodada Uruguai. Como país que se caracteriza como "global trader", com o comércio exterior diversificado em temos de pauta de produtos e de mercados, o Brasil foi um dos países que mais defendeu, em Miami, a tese de que o regionalismo por trás da FTAA não deveria ser feito em detrimento do multilateralismo embutido nas regras do Gatt/OMC.
A criação de uma área hemisférica de livre comércio, com a metodologia gradualista, convergente e igualitária definida na cúpula, é decisão amplamente positiva para a economia brasileira. O Brasil desempenhou papel de primeiro plano, reconhecido de público pelas mais altas autoridades dos Estados Unidos, inclusive pelo presidente Clinton, nas consultas que desembocaram nos documentos de Miami. Quer como presidente pró-tempore do Mercosul, quer como coordenador do Grupo do Rio, teve o Brasil um perfil sempre construtivo, fornecendo muitas das idéias que acabaram sendo incorporadas na "Declaração" e no "Plano de Ação" assinados pelos 34 chefes de Estado e Governo.
Agora fica o desafio de enfrentar mais este quebra-cabeça e ir juntando as peças dos esquemas de integração regional dispersos hoje pelo tabuleiro continental. Não será fácil, mas vale a pena o esforço se, como já acontece no Mercosul, o resultado for mais negócios, mais emprego, mais riqueza, enfim, para todos.

Texto Anterior: Empresa nega; Maior tração; Mercado interno; Cavando fundo; Campanha confirmada; Turbina desligada; Turbina aquecida
Próximo Texto: Consumidor pode ficar sem importado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.