São Paulo, sábado, 24 de dezembro de 1994
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1994, o ano que insiste em não acabar

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, a boa notícia no final do ano: a seleção brasileira redescobre o ataque. Acabou com a síndrome de pânico de procurar o gol.
Com três atacantes (quem disse que eles estavam mortos para o futebol?) na formação inicial, que se movimentavam muito, o futebol brasileiro recuperou a sua principal característica histórica.
Viola e Ronaldo (errando muito na finalização) estiveram à vontade, buscando jogo. Marques sentiu mais o peso da estréia e é jogador para velocidade, mais para estocar do que para coordenar.
(Como ele mostrou nas arrancadas pela esquerda, no segundo tempo.)
Um time de marcação forte não é incompatível com um ataque de mais ousadias. 1994 deu uma safra generosa de atacantes. Zagalo pode testar muitas opções.
No segundo tempo, o jogo entrou em ritmo de feliz Natal. Todo mundo querendo dar presente para o adversário. Aí o Branco estourou o rojão de fim de ano.
E foi só, em um jogo que poderia ser bem mais animado do que foi. De qualquer forma, a Iugoslávia é bem-vinda à nova ordem mundial do futebol.
1994 parece não querer acabar...
Osmar Santos reinventou o futebol no rádio. Foi, na década de 70, o Oswald de Andrade ("contra a cópia, a invenção e a surpresa") das transmissões esportivas.
Eram tempos dourados, do qual participavam, cada um a sua maneira, Orlando Duarte, Fausto Silva, Wanderley Nogueira, o Show do Rádio e outros que estou cometendo a injustiça de não citar.
Quem teve infância, em cidade pequena, sem televisão, sabe o mundo fantástico, simbólico, imaginativo, mágico que o rádio pode despertar e fixar na memória.
Cresci com o ainda, felizmente, ativo Fiori Gigliotti, na Bandeirantes, e a dupla Pedro Luiz e Mário Moraes, na Tupi.
(Uma imagem inesquecível da infância: o carro Simca Tufão prateado com o qual a dupla foi à minha cidade, Barretos, tão interior do Estado de São Paulo como a Marília do Osmar Santos).
Lembro que Pedro Luiz, quando deixou o rádio (acho que foi em 1973), deu uma entrevista elogiando o Osmar Santos. Dizia ele que o futebol havia mudado e Osmar era a voz da transformação.
Osmar Santos aumentou a voltagem da emoção na locução. Introduziu o DJ nas transmissões: o juiz apitava o início do jogo e entrava o Gonzaguinha com os versos "eu acredito é na rapaziada..."
Com o Osmar, os gols de Pelé, Edu, Leivinha, Serginho, Enéas, Sócrates, Casagrande eram mais emocionantes ("é gol, que felicidade, é gol do meu time é alegria na cidade").
Ao nomear torcedores famosos (ô fulano, quase, quase, quase o 'curingão' chegou lá), ele criou um clima intimista. Depois, ainda participou ativamente da chamada campanha das diretas.
Em nenhum outro país, creio, existe esta relação tão próxima entre o torcedor e o seu rádio. Para mim, é um mistério: que riqueza da experiência humana passa por este gesto de escuta atenta?
Osmar Santos, narrador de uma época.

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