São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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Natal adia acontecimentos ruins

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O supervisor de vendas Edmilson está comemorando o Natal com amigos quando deveria estar na cadeia. Seu mandado de prisão está assinado desde o dia 19, mas só será cumprido depois das festas.
No Instituto de Infectologia Emílio Ribas, há duas semanas nenhum paciente é informado que está com o vírus da Aids. Só saberão depois das festas.
A Sabesp anunciou que suspenderia o racionamento de água em São Paulo nos dias 24, 25 e 31 de dezembro e 1º de janeiro, beneficiando as 3,3 milhões pessoas afetadas pela falta de água.
Adiar notícias ruins e prorrogar fatos desagradáveis são práticas adotadas por vários profissionais e serviços nesta época do ano.
"Quando a liberdade de uma pessoa não coloca outras em risco, não vejo porque afastá-la da família às vésperas do Natal", diz o juiz Wando Henrique Cardim Filho, 48, da 7ª Vara da Família do fórum da capital.
O supervisor Edmilson (o nome é fictício) deve R$ 43,3 mil de pensão alimentícia à ex-mulher e aos dois filhos. Na segunda-feira, o juiz Cardim assinou o mandado de prisão determinando que seja encarcerado por 60 dias. Ao cartório, porém, o juiz recomendou que o mandado só seja enviado à divisão de capturas depois das festas.
Pelo menos uma dezena de outros mandados foram assinados pelo juiz Cardim. Em todos os casos, os réus –pais que não estão pagando o que devem– poderão passar as festas em casa. "Esperamos o Natal", diz Cardim. "O Ano Novo não."
O espírito natalino também se reflete nas querelas familiares. Em algumas Varas da Família, o número de separações amigáveis cai em mais de 50% no mês de dezembro. Na semana que antecede o Natal, quase não ocorrem.
Já as separações litigiosas –quando não há acordo– não diminuem nesta época do ano.
Nos juizados especiais de pequenas causas –onde são resolvidos pequenos desentendimentos– muitos desistem das ações às vésperas do Natal.
No juizado especial do centro, das cerca de 200 reclamações agendadas para dezembro, apenas 64 tinham sido julgadas até a semana passada. Cerca de 90% das reclamações eram batidas de carro. A maioria das vítimas abandonou a queixa ou adiou-a para janeiro.
Cerca de 400 pessoas por mês procuram a Central Sorológica do Hospital Emílio Ribas para fazer teste de Aids. Pelo menos cem delas saem dali com a notícia de que estão com o vírus.
Nas duas semanas que antecedem o Natal, os testes deixam de ser feitos e os resultados não são divulgados. "Ninguém gosta de ouvir uma notícia como esta, especialmente às vésperas do Natal", diz Jamal Suleiman, 35, chefe do ambulatório do Emílio Ribas.
"Se a pessoa não está doente, eu, como profissional, prefiro esperar."
Em muitos dos presídios paulistas, os presos que estão sob castigo em celas disciplinares são anistiados às vésperas do Natal.
Na Casa de Detenção, a festa de Natal foi antecipada para o último domingo, dia 18. No dia 15, 129 presos que estavam nas solitárias foram anistiados.
Para algumas empresas e devedores, o espírito natalino pode ser um bom negócio. No Grupo Executivo, especializado em cobranças, o número de pessoas que procura saldar suas dívidas aumenta em até 40% em dezembro.
As empresas, por sua vez, oferecem acordos aos devedores. Rubens Monteiro, gerente da Executivo, diz que nesta época empresas que administram cartões chegam a propor descontos de 30% para os devedores. "A gente nota uma boa vontade", diz Monteiro.(Aureliano Biancarelli)

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