São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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Agricultor migrante cria órfãos do fim de safra

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA FOLHA NORDESTE

Com o fim da safra da cana-de-açúcar no mês passado, migrantes de diversas partes do país voltaram para suas cidades de origem deixando para trás mais de cem mulheres grávidas e filhos "órfãos" em Guariba (74 km de Ribeirão Preto).
A cidade, com 30 mil habitantes, recebe a cada safra pelo menos mais 10 mil pessoas para o trabalho temporário.
Só neste mês, 20 processos propondo ação de investigação de paternidade estão em andamento no Fórum de Guariba.
"O número é elevado, se comparado ao de outras comarcas da região. São filhos da safra", diz o promotor Ricardo Brites de Figueiredo, 25.
Adriana Cristina Ramos, 19, está grávida há quatro meses. O pai da criança tem mais de 40 anos.
Depois do fim da colheita, mesmo sabendo que Adriana estava grávida, o homem voltou para sua cidade em Minas Gerais.
"Ainda gosto dele", diz ela chorando. "Mas me senti traída quando ele foi embora", afirma.
"Agora, o que me resta é trabalhar e cuidar do meu filho", diz a adolescente, hoje desempregada.
Pelo menos 40% dos trabalhadores rurais estão parados por causa do fim da safra, de acordo com o sindicato da categoria.
A mãe de Adriana, Rosângela Maria Sorsen Paulino, não deixou que a filha fizesse aborto.
"Quero um menininho. Mulher sofre muito. Mas mesmo se for uma menina, não vou ter coragem de tirar."
Não há estatísticas sobre o número de abortos em Guariba. Na periferia da cidade, mulheres vendem por R$ 110,00 cartelas com quatro comprimidos de Citotec (medicamento usado para o tratamento de úlcera, também usadado para provocar abortos).
Há também "receitas" abortíferas citadas pelas mulheres grávidas na safra. Entre elas, introduzir arames, tubos de desodorantes e pontas de cabides na vagina para provocar a morte do feto.
Desnutrição
Alzira Correa de Araújo, 20, desempregada, tem dois filhos e espera o terceiro há seis meses. Todos de pais migrantes diferentes.
Os filhos não vivem com a mãe. Cada um mora com parentes de Alzira. O destino da criança, que ela carrega na barriga, não será diferente. Alzira vai doar o bebê a uma família de Ribeirão.
"Não tenho condições de sustentá-lo. É melhor dar para quem tem o que comer. Comigo meu filho pode passar fome", afirma.
Quase 60% das crianças internadas no hospital de Guariba neste mês sofrem de desnutrição.
Cerca de 25 crianças todo mês são internadas no hospital por causa da doença. A maior parte mora em bairros periféricos como Vila do Valter e João de Barro.
Segundo a Pastoral do Migrante, os dois bairros têm 90% de sua população formada por migrantes.
"Aqui é um pedaço do Nordeste encravado no interior", afirma o comerciante Celestino Sbardelotto, 41, dono do maior restaurante da cidade, que fica em frente a praça central.
Segundo ele, na época da safra, famílias inteiras chegam a Guariba com apenas uma sacola de roupas, sem ter o que comer, onde morar ou trabalhar.

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