São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994 |
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AMADO FALA DOS AMIGOS "A amizade é uma forma de amor, meus amigos são o sal da vida. Eu gosto das pessoas, não parto da má vontade em relação aos outros. Também nunca fui sectário, nunca condicionei meu bem-querer a posições políticas ou literárias. Por que um amigo é fundamental? Não sei. Por que Carybé é tão importante para mim? Ele é meu irmão. Só peço que eu vá antes de Carybé porque, se ele for antes de mim, ficaria tão só. Complô para Brecht "Ilya Erenburg (1891-1967), escritor soviético, judeu, foi meu amigo de todos os dias. Dizia que quando falassem as piores coisas sobre ele, haveria uma pessoa que o defenderia. Seria eu. Em 54, Erenburg, Anna Seghers e eu estávamos em Moscou para o 2º Congresso dos Escritores Soviéticos. Havia também a reunião do júri do prêmio Stálin, o mais importante prêmio comunista, que ganhei em 51. Anna me ligou e pediu que fosse visitá-la imediatamente. Quando cheguei, me disse: 'Está sucedendo uma coisa terrível na Alemanha. O PC alemão está em cima de Bertolt Brecht. Só há uma maneira de salvá-lo: fazê-lo prêmio Stálin'. Anna morava no prédio de Brecht. Respondi que nada podia fazer, não era membro do júri. Anna era, Erenburg e Neruda também. Decidimos falar com Ilya. Fomos à casa dele, explicamos, concordou. Mas disse que o que contava era a ordem do partido. Quem decidia era Alexandre Fadeev, Sacha, membro do comitê central. Erenburg ligou para Sacha, marcou encontro para Anna e recomendou: 'Vá com Jorge, Sacha confia nele'. Era verdade, Fadeev simpatizava comigo, acho que gostava de meus livros. Sacha ouviu, aceitou. Brecht foi prêmio Stálin. Salvamos Bertolt, salvamos o teatro de Brecht." O cartógrafo da África "Outro amigo de quem me lembro todo dia é Gabriel d'Arboussier. Era um mulato bonito, filho de uma negra do Senegal e de um general francês que foi governador-geral da então colônia. Gabriel foi secretário-geral do Movimento Democrático Africano, o partido da independência da África Ocidental Francesa. Achava que a África independente não poderia manter o mapa das colônias, haveria luta entre as etnias. Chegou a rabiscar nova carta para o continente, o traçado respeitava a realidade racial dos povos. Convidei-o a vir ao Brasil. Ficou muito feliz com a experiência racial brasileira, encantou-se com a mestiçagem." O terno rosa-choque "Grande Othelo me chamava de Papi. Certa vez, nos encontramos em Londres para a exibição do filme 'Macunaíma'. Ele não tinha roupa para a recepção, fomos comprar. Grande Othelo escolheu um terno rosa-choque, que vestia nos grandes momentos. Toda vez dizia: 'Foi Papi quem me deu'. Não fui. Quem deu foi a embaixada brasileira." Texto Anterior: Sonia Braga, filha e "amante" Próximo Texto: Um artesanato misterioso Índice |
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