São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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Abaixo as certezas

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Perdi o recorte com a frase, motivo pelo qual posso estar citando o autor errrado. Mas tenho quase certeza de que foi o historiador norte-americano Arthur Schlesinger quem cunhou a seguinte: "Não é porque Marx estava errado que Adam Smith está absolutamente certo".
Ou, traduzindo um pouco, o fato de o chamado socialismo real, derivação não muito santa das idéias de Karl Marx, ter fracassado estrepitosamente não significa necessariamente que o profeta liberal Adam Smith esteja certo.
Guardei o artigo com a frase porque achava que, cedo ou tarde, ela seria útil. Pena que tenha sumido justamente no momento em que o terremoto que se abate, política e economicamente, sobre o México forneça o cenário adequado para exumá-la.
Corro o risco, assim mesmo, de errar de autor. O conceito permanece de pé, seja quem for que o tenha utilizado.
Tornou-se moda no mundo inteiro, após a falência do comunismo, exaltar as virtudes do liberalismo puro e duro. Nada contra o mercado, ressalte-se. Ele tem lá seus méritos e suas vantagens, principalmente para os capitalistas (os marxistas ainda restantes substituiriam o "principalmente" por "exclusivamente", mas é um exagero, acho).
Mas tudo contra transformar as virtudes do mercado numa espécie de nova teologia da libertação. Virou um credo, uma coisa religiosa, fundamentalista.
O que a história mexicana recente parece demonstrar é, acima de tudo, o fracasso das crenças fundamentalistas. O modelo anterior, estatizante e relativamente fechado, entrou em colapso com a crise da dívida de 1982. Mas o novo modelo, privatizante e aberto, se não entrou ainda em colapso, conheceu esta semana um abalo formidável. Sem contar o custo social da transição de um para outro modelo, coisa que os novos teólogos da libertação parecem nunca considerar.
No fundo, para o Brasil tem até uma vantagem. Permite que se discutam méritos e defeitos da bula neoliberal, sem a pregação religiosa de que é ela ou o caos. Viu-se que pode ser ela e o caos (ou quase).

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