São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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A cidadania faz história

HERBERT DE SOUZA

A Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida tem falado de solidariedade numa sociedade marcada pela cultura do "cada um cuida de si"; tem proposto ações concretas, mesmo que pequenas, numa sociedade marcada por grandes visões; tem atuado no emergencial onde sempre se cultivou o mito da solução estrutural; tem convocado o cidadão, todos e todas, quando aqui tudo é corporativo, é organizado para um grande concerto de atores sociais.
Na prática, a Ação da Cidadania tomou o caminho da contramão teórica e política. E por isso mesmo tem dado certo. Tem realizado aquilo que se propõe e, mesmo sabendo que ainda tem muito o que fazer, já percorreu um bom pedaço desse caminho que nos levará a acabar com a miséria e construir um Brasil democrático.
Em 1993, muito se falou e muito se fez no combate a fome. Em 1994, a Ação da Cidadania lançou a proposta da criação de emprego como uma das formas mais efetivas de atacar a miséria. Não foi possível colher muito do Estado, mas na ação dos comitês encontramos uma participação criativa, flexível, inovadora na sociedade.
O emprego nasceu de baixo para cima, nos espaços que a sociedade civil foi capaz de criar, abrir, inventar. Muita gente saiu da exclusão e da indigência pela organização dos comitês. A sociedade agendou o emprego como prioridade da ação pública. A geração de emprego foi incorporada à campanha eleitoral, frequentou os programas e discursos de praticamente todos os candidatos e agora espera a vez de virar prática no próximo governo.
Em 1995, a Ação da Cidadania vai propor a democratização da terra como uma forma efetiva de equacionar o combate à fome e a geração de empregos. Os comitês estão desde já desafiados a pensar como chegar à terra, como romper cercas e preconceitos, velhos mitos e absurdos modernos que ainda transformam a terra em bem privado de uns poucos que se recusam a reconhecê-la como bem planetário.
Essa é a trajetória que estamos perseguindo. A Ação da Cidadania quer vencer resistências e produzir entusiasmo, mudar a cultura, achar a forma nova de olhar velhos problemas.
A Ação da Cidadania tem caminhado com o olho no futuro, mas sempre ao lado da sociedade civil. É com a sociedade que queremos aprender, criar e até errar. É com a sociedade que queremos definir uma nova política, nova economia. É com a sociedade que queremos construir uma democracia neste país e erradicar completamente a miséria.
É Natal, faltam cinco anos para o século acabar, despertamos um enorme sentimento de solidariedade num país que se acreditava cínico, distribuímos cestas, brinquedo, esperança. Mas não pode ser só isso.
Ao longo de décadas, discutimos o estrutural, denunciamos, fizemos a análise correta das causas e só. Agora, queremos ação. A Ação da Cidadania mostrou, na prática e de forma concreta, que é possível agir.
Mostrou à elite dominante deste país, acostumada a pensar a política e a economia sem gente. A sociedade não é feita apenas dos cidadãos que têm o privilégio de estar no mercado consumidor. A economia não se importa com os excluídos, os indigentes, os marginalizados. E a política segue o caminho lógico do pensamento dominante e legisla para que nada de fundamental mude neste século. E a pobreza segue como um resultado não desejado, mas inevitável, do desenvolvimento.
A Ação da Cidadania achou a saída da armadilha do estrutural e a sociedade está apontando o caminho.
É Natal, a solidariedade distribuiu milhares de gestos por todo o país, mas muito ainda precisa ser feito para chegarmos num tempo em que uma nova consciência de cidadania, uma nova cultura democrática possa acabar com esta tragédia chamada miséria.
A democracia vem aí e vem pelas mãos da ação da cidadania, essa onda tão forte que é capaz de andar na contramão e se encontrar com a história.

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