São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Pela vida das mulheres

ALZIRA RUFINO

Ser mulher é uma desvantagem que alimenta as estatísticas de violência sexual, doméstica e racial. Milênios nos têm oprimido com costumes e conceitos que nos inferiorizam, nos dão uma menor valia.
A relação homem/mulher apresenta estatísticas de guerra. É urgente a construção de um outro modelo de relacionamento que substitua a imposição masculina e a submissão feminina.
Todas/os nós temos que meter a colher nessa guerra invisível que se nutre de conselhos familiares: "ruim com ele, pior sem ele". E a violência vai crescendo à medida em que é silenciada. Primeiro, a agressão à companheira. Depois, a ameaça de morte e por fim o assassinato. Ou a loucura, que paralisa a mulher, tira-lhe as defesas, o movimento para fora do perigo.
Raramente se fala na violência doméstica, embora ela aconteça a mulheres de todas as idades e em todas as classes sociais. Em Londres, 100 mil mulheres, anualmente, procuram tratamento por ferimentos provocados por marido ou companheiro.
Um verdadeiro ritual de sacrifício cotidiano de mulheres, em todas as culturas. A sociedade e o governo decretam a impunidade. Oficializam a omissão.
A Baixada Santista (SP) foi, recentemente, cenário de uma série de assassinatos de mulheres. No mês de setembro, diversas mulheres foram mortas, duas delas em menos de 24 horas. Repetidas manifestações de rua, reuniram centenas de pessoas exigindo que os criminosos sejam levados à Justiça. Até agora, aguardamos a conclusão do inquérito policial que apontará o assassino da professora Emília Maria da Eira Ramalho, crime que abalou a população da cidade de Santos que, há três meses, espera que a justiça seja feita, não apenas para a professora mas para todas as outras vítimas mulheres.
As entidades de mulheres mostram o número de vítimas dessa premissa de que o homem tem direitos de vida e de morte sobre a sua companheira: a Casa da Cultura da Mulher Negra, em seu departamento jurídico, atendeu de janeiro a novembro deste ano, 294 mulheres encaminhadas pelas delegacias da mulher da região. Destas, 71 são mulheres ameaçadas de morte e 20 foram vítimas de tentativa de assassinato, por marido ou companheiro. Noventa e uma mulheres que podem ser assassinadas a qualquer momento.
A postura governamental em relação à violência contra a mulher pode ser analisada pelos seguintes dados: para dar abrigo de emergência às mulheres que estão em risco de vida e que não podem voltar para casa, ameaçadas pelo companheiro, a Grã-Bretanha criou cerca de 400 refúgios, dos quais 60 estão na cidade de Londres. O Brasil tem quatro.
O que as mulheres podem esperar em 1995, ao final da década da mulher, parece indefinido, quando observamos a parca visibilidade da representação feminina no novo governo de Brasília.

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