São Paulo, sexta-feira, 4 de fevereiro de 1994
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Uma vergonha nacional

LUÍS NASSIF

Não se tem recursos para a saúde, mas a esquerda vota a readmissão de 160 mil funcionários públicos e a direita a anistia total a agricultores. O circo pega fogo, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, continua praticando o jogo da dubiedade em relação à sucessão presidencial e o Congresso não dá quórum para aprovar um programa de governo.
Enquanto a inflação sobe, o governador cearense provoca conflitos para se promover e o deputado, que já foi ex-ministro, diz ser contra facilitar o primeiro ano do próximo governo, antes de saber quem será o novo presidente.
Todos esses políticos –esquerdistas jurássicos, direitistas fisiológicos, parlamentares negocistas e intelectuais de fancaria– não estão à altura do país. São mais desonestos e nocivos que os ladrões-de-galinha apontados pela CPI do Orçamento.
Historicamente, deve-se a esta raça os índices de miséria que envergonham o país, a roubalheira que transfere dinheiro de doentes para as empreiteiras, o loteamento das estatais, a permissividade que garantiu tanto tempo de vida aos "joão alves" da Comissão do Orçamento e a fama de desonestidade que acabou recaindo injustamente sobre todo um povo trabalhador e decente. São tão desonestos que falsificam até atestado de bons antecedentes, manipulando relatórios nos quais empenharam o próprio nome da sua instituição.
São eles que empregam parentes e apaniguados no serviço público, que trocam favores garantindo emprego aos que não se elegem, que recebem caixinhas de empreiteiras e de sindicatos e se promovem politicamente às custas dos contribuintes.
Do ministro ao deputado mais inexpressivo, deveriam ser execrados pela cidadania em qualquer lugar público em que ousassem aparecer. Principalmente as lideranças mereciam que, nos restaurantes, os garçons não os atendessem, que fossem vaiados nas ruas, segregados dos encontros sociais, que seus filhos fossem evitados pelos colegas, até que se envergonhassem da condição de serem filhos de políticos.
Deveriam ter suas casas invadidas e suas despensas esvaziadas pela multidão de famintos que se arrasta pelas cidades. Deveria recair sobre seus filhos a maldição dos milhões de crianças que morrem por falta de condições mínimas de vida, enquanto eles se digladiam pelo controle da máquina pública.
Tudo isto, e mais alguma coisa, deveria desabar sobre as cabeças desse bando de irresponsáveis, sem grandeza e sem patriotismo, até que recuperassem a vergonha e se mostrassem à altura da vocação de resistência do Brasil. Pois só uma vocação extrema de resistência, um instinto de sobrevivência sobrenatural, para o país chegar onde chegou, tendo que carregar por tanto tempo nas costas a carga de uma máquina pública corrupta dominada por uma classe intrinsecamente inescrupulosa.
Ser ou não ser
O dilema da equipe econômica é da seguinte ordem:
1) O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, tem pânico das medidas definitivas. Por isso vendeu-se para ele a falsa idéia de a URV (Unidade Real de Valor) seria biodegradável: se o plano desse certo, viraria moeda, se não desse, seria um índice a mais. Aí ele lançou a idéia, despreocupadamente, e só depois percebeu que não tinha mais retorno.
2) Para enfrentar a batalha da confiabilidade, a URV (Unidade Real de Valor) precisa estar atrelada ao dólar. Cesta de índices fixada diariamente pelo BC (Banco Central) não será aceita nem pela "velhinha de Taubaté".
3) Atrelando ao dólar, se o plano não der certo, além da inflação em URV, produz desequilíbrio cambial de monta.
4) O governo não dispõe de condições ideais, para fazer essa aposta. Mas, se não apostar no dólar, as chances de dar certo reduzem-se mais ainda.
5) O ministro embarcou nessa canoa para fugir dos riscos de enfrentar as grandes batalhas estruturais. Montou num porco-bravo.
Seria até engraçado, se a conta não tivesse que ser paga pelo país.

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