São Paulo, sexta-feira, 4 de fevereiro de 1994
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Irresponsabilidade

SÍLVIO LANCELLOTTI

O tiroteio liderado por Maradona infelizmente serve como lápide para o triste fim de sua carreira quase brilhante. O advérbio da frase acima, o quase, não o infelizmente, é meditado e absolutamente proposital. Afinal, os astros verdadeiros invariavelmente fazem o seu sucesso dentro e fora de suas áreas. Aquilo que Maradona mostrou nos gramados lastimavelmente se dilui quando se alinhavam os fatos da sua vida pessoal.
Sobram atenuantes, claro, sempre. Meras 24 horas antes do episódio dos tiros, Maradona saiu do Newell's, o único capaz de aceitá-lo depois da sua desmoralização na Itália e da sua experiência desastrosa no Sevilla. Não estava, Dieguito, seguramente feliz com mais um fracasso, antes da Copa. Jornalistas, sabe-se, têm a missão de azucrinar os astros e as estrelas de plantão. Deve irritar bastante, nos momentos de introspecção, a constatação da existência de uma multidão interesseira e curiosa na porta de casa, à espera de mais um escorregão.
Maradona, todavia, reagiu com uma bateria antiaérea. Não vale dizer que os projéteis de chumbinho não matam. Qualquer criança bem poderia receber um dos ricochetes em pleno olho. Além disso, existem maneiras mais civilizadas de impedir a imprensa de invadir a privacidade do ídolo. Pelé foi o craque mais seguido e mais vasculhado do planeta. Nunca levantou a mão contra ninguém. Beckenbauer idem, apesar da pressão que lhe moveu o reportariado ao descobrir um caso do "kaiser" com uma funcionária da federação alemã. Michel Platini também, apesar do seu envolvimento num rumoroso episódio de adultério duplo.
Em meia década, Maradona envergonhou a própria fama de garanhão ao renegar um filho que a medicina e a justiça italianas determinaram como seu. Covardemente, espancou um porteiro em Trigoria, na Copa de 90. Foi flagrado, cocaína, num exame antidoping na Itália. E acabou preso pelo porte da droga em sua terra.
Sobram atenuantes. Maradona anda sem dinheiro. Pôs à venda por US$ 500 mil duas Ferraris que mantém na Europa. Resta uma rude constatação. O futebol sentirá muitas saudades de seu gênio. Quanto ao homem, que se esconda de vez. Chega de irresponsabilidade.

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