São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Beth Carvalho exuma pérolas do túmulo do samba em disco

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O túmulo acaba de profanar o berço do samba com música de péssima reputação. Mas a cantora carioca Beth Carvalho dá o troco em luva de pelica com um disco de sambas paulistanos. O CD traz 73 minutos de boa sorte no momento exato em que o "sambobo" da Paulicéia arrebata as paradas e toca em todo o Rio.
Beth garimpa ouro do cancioneiro do Bexiga e prova que o tal túmulo não passou de um espirituoso preconceito criado pelo poeta Vinicius de Moraes. Preconceito que os praticantes do "sambalanço jovem" movido a karaokê estão ajudando a ampliar.
Beth usa sua voz firme e um conjunto de cobras da noite local para demonstrar que o samba paulistano não tem nada a ver com meu chamego, meu xodó e a barata da vizinha. É antes a antítese disso.
O disco foi gravado ao vivo no Sesc Pompéia em 10 de dezembro de 1991 e mantém a atmosfera de improvisação. A cantora concatenou 24 músicas de vários compositores numa espécie de fábula sobre o samba de São Paulo. Há até uma composição do "detrator" Vinicius –o clássico "Regra Três", em parceria com o paulistano Toquinho. Mas Beth comete omissões. Não inclui nem uma obra de Caco Velho, pai do ritmo em São Paulo e compositor de alta qualidade, e ignora o samba de malandragem de Germano Mathias.
Ainda assim o CD é representativo e começa em tom menor. "Iracema" (Adoniran Barbosa) conta com melodia chorada a história da moça atropelada na av. São João. Seguem-se os líricos "Sem Ataque, Sem Defesa" (Sombra-Adílson Victor), "Fogo de Saudade" (Sombrinha-A.Victor) e "Meu Sexto Sentido" (Talismã-Raymundo Prates).
O disco contém outros dois Adonirans: "Trem das Onze" e "Saudosa Maloca", duas parcerias com os Demônios da Garoa, que o autor não citava, talvez conscientemente. Aliás, falta no livreto informação sobre os sambas: quem são os compositores, quem gravou e quando.
O melhor achado é "Mania da Gente" (Mário Sérgio-Carica- Luisinho SP), uma paródia da mania de cultura do paulistano. Rima hip-hop com chopp para declarar amor ao samba, velha mania da periferia e agora da elite paulistana.
Beth não seleciona composições que chegam a dar a impressão que o sepulcro era um berçário disfarçado. "Triste Madrugada" (Jorge Costa), "Meu Lirismo" (Sílvio Modesto), "Silêncio no Bexiga" e "Tradição", ambas de Geraldo Filme, se comparam ao melhor de Cartola. O segundo diz: "Quem nunca viu o samba amanhecer/ Vai no Bexiga pra ver". E merecem a eternidade os sambas de Paulo Vanzolini "Praça Clóvis" e "Volta por Cima", em desempenho emocionado da cantora.
Moral da história: o samba paulistano guarda traços distintos do carioca –como tom menor, ritmo cadenciado e temas melancólicos– e deve ser enquadrado na corrente principal do gênero. O resto é morro com preconceito.

Título: Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo
Cantora: Beth Carvalho
Músicos: Paulão, Edmilson Capelupi (violões de 6 e 7 cordas), Niltinho (cavaquinho), Antonio Pinheiro (bateria), Osvaldinho da Cuíca, Jorginho Cebion, Fiapo e Baldo (percussão)
Arranjos: Roberto Pereira Araújo
Lançamento: Velas
Preço: CR$ 6.000 (CD, em média)

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