São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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O Haiti é aqui e lá

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Como a crise se avolumou por todos os lados na semana passada, não pude comentar aqui uma estupidez gerada pela mediocridade do presidente Itamar Franco. O presidente ficou irritadíssimo contra um relatório sobre direitos humanos no Brasil preparado pelo governo dos Estados Unidos. Ele revidou, argumentando que lá também existem atentados contra os direitos humanos. Logo, eles não têm moral para denunciar.
Nos Estados Unidos morrem mesmo mais crianças assassinadas do que no Brasil. E daí? Só existe uma postura séria: preocupar-se com as vítimas que sofrem lá e aqui. Nenhuma delas deve servir para que não se denunciem em escala mundial os massacres. Será que o Brasil não tem autoridade moral de condenar o genocídio na Bósnia?
Fosse levado esse conceito ao extremo, nunca deveríamos ter condenado o racismo na Africa do Sul –afinal, somos um país dissimuladamente racista. Basta ver, por exemplo, quantos negros ocupam altos cargos no Itamaraty, de onde saíam as corretas notas condenando o apartheid sul-africano.
O fato é triste mas inquestionável: a preocupação com os direitos humanos das camadas mais vulneráveis avolumou-se entre nossos governantes não só por causa da pressão interna. Mas, em especial, da pressão externa. E, geralmente, as pessoas que protestam indignadas com os que "sujam" a imagem do país estão a salvo e pouco se importam com a violência contra mulheres, negros, crianças, trabalhadores no campo ou índios.
Eles ficam irritados não com a vergonha desse massacre diário. Mas em vê-lo divulgado em francês, inglês, italiano ou alemão, língua de seus restaurantes e estilistas favoritos. Ou bancos.
Esse relatório do governo americano, assim como do Americas Watch e Anista Internacional, não tem uma única mentira –aliás, todas as informações, rigorosamente todas, já foram escritas por brasileiros. Infelizmente –não porque foram escritas, claro. Mas porque simplesmente são verdadeiras.
PS– A cúpula do PSDB trabalha com a informação de que Orestes Quércia teria contratado 30 jornalistas para remexer a vida de seus adversários. Valeria tudo: da vida sexual, familiar e comercial. Dizem que a preferência é Ceará e Rio Grande do Sul.

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