São Paulo, terça-feira, 8 de fevereiro de 1994
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A ditadura da Eletropaulo

CARLOS HENRIQUE KNAPP

A Eletropaulo decidiu que não devo ouvir música aos domingos de manhã. Nem usar o computador ou a máquina de escrever. Não posso tomar banho quente nem ligar o microondas nas manhãs de domingo. Se há alguma coisa interessante na TV, a Eletropaulo não quer que eu veja. E o sorvete derrete no congelador.
Se ela exercesse essa ditadura todos os domingos, eu me organizaria. Não contaria com luz pela manhã, assim como não conto com rádio das 19 às 20 horas durante a semana. O diabo é que o corte é intermitente, alguns domingos sim, outros não, e sou sempre pego de semi-surpresa. Um casal idoso, que mora no 12º andar de um edifício vizinho, já se habituou a ligar para a Eletropaulo todos os sábados para perguntar se ela os deixa ir à missa na manhã seguinte.
Sou uma pessoa cordata, vivida, paciente com as contrariedades da vida urbana. Compreendo a necessidade de obras de manutenção e expansão dos serviços públicos. Não entendo, porém, que elas tenham duração indefinida. Moro em Perdizes há mais de ano e durante esse tempo a Eletropaulo vem interferindo, intermitentemente, na minha vida. Antes morei no Pacaembu e durante quatro anos foi a mesma história.
Entendo menos ainda a sem-cerimônia da Eletropaulo. Já morei em outras grandes cidades do mundo e por lá nenhuma concessionária se atreve a interromper um serviço público sem antes avisar os cidadãos e pedir desculpas pela inconveniência: "perdonen las molestias". Mesmo na Barcelona do tempo de Franco era assim.
A Eletropaulo manifesta a mentalidade autoritária que ainda prevalece nas empresas estatais. Como a Telesp: deixa o seu telefone desligado por 24 horas sem nenhuma explicação prévia ou posterior. Se o seu trabalho depende do telefone, o prejuízo é grande. E seria tão fácil dona Telesp pegar no telefone e avisar, "olhe, a sua linha vai ficar desligada por tantas horas". Como também criar uma gravação automática dizendo que "este telefone está temporariamente desligado para reparação".
Do mesmo modo, dona Eletropaulo tem um privilegiado meio de comunicação com o consumidor: a conta de luz. Em lugar de preenchê-lo com conselhos edificantes, poderia avisar: "Nos domingos dias tal e tal interromperemos o fornecimento de energia, das 6 às 13 horas. Se V.Sa. tem a intenção de ouvir música nesses dias, aceite os convites anexos para os concertos dominicais do Teatro Municipal. Com os cumprimentos da Eletropaulo."

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