São Paulo, terça-feira, 8 de fevereiro de 1994
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Pais da pátria e os anões

LUÍS NASSIF

No seu apartamento no Rio de Janeiro, o deputado Roberto Campos já começou a dar um balanço na sua vida. Escreveu um livro de memórias e em seus artigos semanais por vezes abandona sua preocupação obsessiva com o presente e o futuro para render-se ao memorialismo. Mas só por vezes. A cabeça continua no futuro.
Durante quarenta anos, o ex-ministro Campos foi a pessoa mais execrada do país. No governo JK, as passeatas nacionalistas portavam invariavelmente duas faixas: "Abaixo a carestia" e "morra Roberto Campos".
Tempos depois, recebeu o apelido de Bob Fields. De "entreguista" ele sempre foi chamado, desde que voltou de uma missão diplomática nos EUA, no início dos anos 50, com idéias estranhas na cabeça.
Cabeça-dura, jamais fez concessões às idéias com as quais não concordasse, nem cedeu ao carreirismo. Recusou um convite para uma embaixada, no governo Jânio –com quem ele concordava–, porque achou que não seria útil. Mas dispôs-se a ser embaixador nos EUA no governo Goulart –cujo populismo ele abominava.
A ironia rascante, com que reagia às críticas, poderia passar a falsa impressão de que se tratasse de um masoquista praticante. Não era.
Fortaleza
Não se pretende, aqui, chover no molhado. O deputado, ex-senador e ex-ministro Campos já tem o reconhecimento da história. O que se pretende é analisar de que material são feitos os homens públicos. Durante décadas, Campos passou por "entreguista" mesmo sendo lá fora um intransigente defensor do ele considerava interesses brasileiros.
Pode-se discutir se seu conceito de interesse brasileiro era o mais correto, se ele não exagerava no seu internacionalismo, se não era excessivamente radical em considerar como único espécimen digno o empreendedor –sem jamais reconhecer a importância do trabalhador como parceiro da produção. Mas jamais se poderá criticá-lo por incoerência ou falta de patriotismo. Dentro do que acreditava, foi inegavelmente um dos pais da pátria.
Ao lado de Lucas Lopes (recentemente falecido), talvez tenha sido o brasileiro que mais se preocupou com questões de desenvolvimento. Coube a ambos preparar a tradição de planejamento do BNDES e, mais tarde, a Campos e Bulhões montar um plano econômico com um conjunto de reformas que tinha como único intuito gerar um ambiente econômico para o crescimento. No entanto, durante anos, foi taxado de "monetarista" e de "recessivo" por defender o equilíbrio nas contas públicas.
Reconhecimento da história
Em todas essas décadas, Campos suportou ou com silêncio estóico, ou com sua ironia rascante, críticas e incompreensões de toda espécie.
"As críticas o afetavam?", indaguei-lhe. "Profundamente", respondeu, principalmente quando partiam de seu mais feroz crítico, o ex-governador carioca Carlos Lacerda, que dizia que "Campos mata o pobre de fome e o rico de raiva".
Então por que acirrava ainda mais os críticos com uma ironia que beirava a provocação? "Porque sabia que estava certo e que, mais cedo ou mais tarde, haveria o reconhecimento", explica o deputado.
O reconhecimento veio mais tarde, apenas na era Gorbatchev. "Significa que agora o senhor é um homem plenamente realizado?", indago. "Como posso ser realizado se o país está nessa situação?", responde o deputado.
Por vezes, corre-se o risco até do reconhecimento não vir em vida. Prova é Lucas Lopes, o principal responsável pelo Plano de Metas de JK, que morreu praticamente ignorado pelas novas gerações.
Mas pouco importava. Homens como Campos, Bulhões ou, mais à esquerda, Rômulo de Almeida, Celso Furtado, diferentes nas suas convicções, tinham em comum o sentimento de homens públicos, de construtores da pátria. O sucesso do país, era seu sucesso: o fracasso do país, seu fracasso.
Quando, à luz desses exemplos, observa-se a maneira como Fernando Henrique Cardoso acabou fugindo das grandes batalhas, desviando a atenção dos grandes temas, perdendo a oportunidade histórica de preparar o ajuste, por uma demagogia eleitoreira, como essa URV, constata-se que a índole dos verdadeiros homens públicos não depende de sua formação ou de seus títulos.
Um grande homem público, já nasce.

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