São Paulo, terça-feira, 8 de fevereiro de 1994
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É com este que eu vou

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO – Eu teria todos os motivos do mundo para concordar com o Carlos Heitor Cony quando ele disse, em sua crônica de ontem, com outras palavras, que o Carnaval é uma ótima oportunidade para o governo praticar a sua especialidade, que é o desgoverno. É toda vez assim, mesmo, fevereiro sempre foi o mês de 15 dias, e tudo que pode ser protelado o será.
Ouso apenas discordar quando o nobre colunista afirma que "Carnaval é festa curtida por gays e economistas do governo". Pode até ser, e certamente é. Mas não só. Claro que ficar duas horas preso num engarrafamento por causa de uma festa de Carnaval –no caso de Cony, a banda Simpatia É Quase Amor, que todo ano bagunça o coreto de Ipanema–, é de torrar a paciência de qualquer um. Mas se há, ainda, uma tradição a ser respeitada e incentivada no Rio de Janeiro esta é a dos blocos de rua, que, atrapalhando o trânsito ou não –aliás, um problema da polícia–, mantém viva uma das festas populares mais bacanas do país.
No dia seguinte à aporrinhação sofrida por Cony, por exemplo, foi a vez de sair às ruas do Jardim Botânico, outro bairro da zona Sul do Rio, o irreverente bloco Sovaco do Cristo, nascido, como sugere o nome, sob o braço direito do Cristo Redentor, que a tudo assiste lá de cima do Corcovado. Bem, havia gays e não-gays, trânsito engarrafado, confusão etc. Mas o que mais chamava a atenção era o número de pessoas, pelo menos umas 3.000, das mais variadas idades famílias inteiras, avós, netos, filhos, namorados, todos na maior alegria, tomando conta das ruas de seu bairro, extravasando alegria, se lixando, isto ficava bem claro, para os economistas de Brasília. Exercendo, enfim, o sagrado direito de ser feliz.
Carnaval não tem meio-termo: ou a gente gosta ou odeia. Mas uma coisa é impossível negar: o poder de mobilização da folia não tem igual. Se aqueles momentos de descontração e brincadeira serão aproveitados por políticos desonestos ou economistas inescrupulosos para ludibriar o cidadão, aí já são outros quinhentos. E que serão três dias de loucura e inconsequência, isso todo mundo sabe. Portanto, cada um que assuma as cinzas de sua quarta-feira.

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