São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 1994
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Incubadora de serpentes

LUÍS NASSIF

A revisão não pode deixar passar em branco um dos exageros centrais do federalismo brasileiro –que foi a transformação do cargo de vereador em meio de vida, especialmente em pequenas localidades.
O baixo nível da reação de vereadores à proposta do relator Nelson Jobim, de disciplinar a matéria, reforça a suspeita de que a facilidade de se criar novos municípios acabou gerando uma raça de parasitas que precisa urgentemente ser extirpada da vida pública.
Jobim propôs a limitação do número de vereadores, seus salários e se acabasse com a remuneração para vereadores de municípios com menos de 10 mil eleitores.
Reside aí a cabeça da hidra, desse modelo brasileiro, que acabou transformando os políticos em uma classe à parte, com interesses próprios, dissociados dos interesses das diversas classes sociais, a quem lhes caberia representar.
As câmaras municipais são a incubadora da classe política. Até a Revolução de 64 eliminar o federalismo da vida nacional, a Câmara era o centro das discussões na comunidade. Permitia uma primeira seleção das vocações públicas existentes nos diversos extratos, principalmente pelo fato de o cargo não ser remunerado. A partir desse time nasciam os políticos com vocação estadual e federal.
Meio de vida
A desorganização que permeou a década de 80, principalmente nos anos negros do governo Sarney, permitiu, primeiro, que a vereança virasse um cargo amplamente remunerado. Pior: permitiu que vereadores e prefeitos passassem a deliberar sobre seus salários.
A contaminação da vida pública, então, passou a se dar pela base, com aventureiros de baixo nível –como esses que tentaram apedrejar o relator Jobim– tomando a rédea de muitas câmaras municipais e influindo decisivamente na qualidade dos extratos superiores –deputados estaduais e federais.
A proposta do relator Jobim peca apenas pela timidez. Deveria se complementar a assepsia estipulando regras rígidas para a criação e existência de municípios.
A condição básica para a existência de um município é sua capacidade de arrecadação. Município que não arrecada é vila, distrito. Município é que não é.
Não é em outros países. A criatividade brasileira permitiu a criação de uma multidão de mortos-vivos, municípios sem arrecadação própria, cuja única atividade econômica consiste em receber recursos do governo federal para pagar os salários do prefeito, secretários e vereadores.
Volta ao útero
A pedra de toque dessa loucura são as regras de divisão do Fundo de Participação dos Municípios (constituído de parcela dos recursos arrecadados pela União).
Como cada município tem direito a uma fatia do bolo, houve um estímulo para que bairros ou distritos solicitassem sua emancipação. O município-mãe se livrava dos encargos com a região emancipada. O novo município conseguia sua cota do FPM (descontada do bolo geral) e imediatamente duplicava a estrutura pública –prefeitura, secretarias, câmaras de vereadores etc. E os demais municípios sofriam uma redução nos valores a receber, para que os novos pudessem financiar seus políticos.
Agora, há a necessidade de se tomar o caminho inverso, apresentando-se emenda constitucional que determine que o município cujo montante de arrecadação própria não chegar a determinado porcentual dos recursos recebidos do Fundo de Participação perca o direito de se manter município, retornando ao útero do município-mãe, de onde nunca deveria ter saído.
Deputados de fancaria
O argumento dos deputados Ronaldo Caiado (PFL-GO) e Morgan Torani (PSDB-CE) de que os vereadores precisam ser remunerados, para dispor de dinheiro para assistência social, tem a mesma lógica que inspirou a criação das subvenções sociais.
Causa espécie, aliás, que o setor agrícola, tendo tantas lideranças de primeiro quilate, continue tendo a representá-la, no plano federal, político do naipe desse senhor Caiado.

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