São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 1994
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Baiano dança até encostar a bunda no chão

BOB FERNANDES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Quadris vão meneando, alucinados, em direção ao chão. A música, sincopada, pede: "Requebra, requebra, requebra assim. Pode falar, pode rir de mim". Requebrar até quase encostar a bunda no chão é o grande sucesso do Carnaval baiano.
"Requebra" é música de Pierre Onasis, compositor do Olodum. Em 93, o "Avisa lá" do mesmo Olodum dividiu com a timbalada de Carlinhos Brown as honras da festa. Nos primeiros dias deste Carnaval, fiéis à tradição, os baianos elegeram a coreografia-síntese do verão. Requebrar, sozinho, em dupla ou em bando, até beirar o chão, é a lei deste Carnaval de 1,5 milhão de pessoas nas ruas.
Os requebros marcam o décimo ano de coreografias, desde o deboche de Luís Caldas. De lá para cá, as multidões já ensaiaram a cada verão as danças do crocodilo, da galinha, tititi, Mike Tyson, dos macacos e o Rala o Pinto.
O Carnaval do requebro produz, gasta, envolve, vê girar, a soma de US$ 200 milhões de dólares. E que custou este ano US$ 6,3 milhões à prefeitura –US$ 2 milhões obtidos em patrocínio- e, alega o governo, US$ 5,4 milhões ao Estado, basicamente, com policiamento e saúde.
Um Carnaval que começa marcado pelos requebros e pelo confronto entre a profissionalização buscada pela Prefeitura de Salvador e arraigados hábitos e costumes da cultura local.
Como nunca se fez antes, 3.000 vagas para músicos foram preenchidas em concurso público e prova de currículos. No rastro da mudança, em 28 de dezembro, músicos ligados ao sindicato invadiram a prefeitura. Com escoriações generalizadas, foram expulsos pela polícia. O governador Antonio Carlos Magalhães, adversário histórico da prefeita Lídice da Matta –PSDB, ex PC do B– cumprimentou-a pela reação à ocupação.
Ainda no capítulo dos sucessos, a participação do Banco do Brasil no Carnaval de Salvador é carnavalesca. O banco, que patrocina jogos de vôlei na praia, temeu ver seu nome ligado à festança baiana. Assim, a cota de publicidade nos trios elétricos, que comprou por US$ 1,2 milhão, foi dividida pelo Banco do Brasil entre três clientes -Lubrax, Biscoitos Aguia e Conhaque de Alcatrão São João da Barra.
Nestes tempos de caça às estatais, o Banco do Brasil se mascara no Carnaval mesmo tendo feito um ótimo negócio. Além da publicidade naquela que é considerada a maior festa popular do mundo, o BB ganhou da prefeitura, por um ano, contas de US$ 40 milhões até então depositados no Bamerindus.
"É um absurdo, pois o banco fez um belo negócio e ficou com medo da reação da imprensa", diz o secretário da Comunicação e coordenador dos projetos especiais da prefeitura, Domingos Leonelli.
Para trios elétricos, emissoras de TV, barraqueiros e ambulantes, a prefeitura perdeu a briga da profissionalização. Os grandes trios, fiéis à fálica tradição da potência maior, recusaram um sistema de controle de som que, na praça do Campo Grande, nivelaria os ecos e decibéis de grandes e pequenos.
As emissoras de televisão, à frente a TV Aratu (afiliada à Manchete), mesmo diante da evidência de falência da festa na praça Castro Alves, recusaram a proposta que deixaria a área mais próxima livre de cabines de filmagem e andaimes, que tapam a visão e encurralam os foliões na praça. Abarrotada de vendedores ambulantes, que ganharam a parada e vão continuar nas ruas com suas caixas de isopor.

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