São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 1994
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'A idéia é criativa', diz Gilberto Gil

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

O cantor baiano Gilberto Gil, que desfilou como destaque na Mangueira e foi um dos homenageados com o samba-enredo, disse ontem em entrevista à Folha que considera "criativa" a idéia de a Mangueira se afastar dos desfiles do Sambódromo. Afirmou que a escola de samba não pode sobreviver ao desfile, tal como ele é hoje. Defende que a Mangueira abra mão do sucesso para se conservar como "desembocadura cultural da tradição".
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Folha – Como você analisa a proposta do afastamento da Mangueira?
Gilberto Gil – É uma idéia ainda sob o impacto do injusto 11.º lugar, mas se resistir a 48 horas passará a ser uma boa idéia. É certo que o desfile pode sobreviver à Mangueira. Mas a Mangueira, tal como é historicamente, como ideal mítico, arquétipo, é que não pode sobreviver ao desfile tal como ele é hoje. É uma idéia criativa. Pouco antes de falar com você, estava lendo uma página de Stephen J. Gould, em "Dedo Mindinho e Seus Vizinhos", na qual ele narra a dificuldade de explicar o termo criatividade aos japoneses. É uma palavra-chave, que exige o descuidar, a redundância, a imperfeição de planejamento. E a Mangueira é um pouco assim. Se a idéia é desfilar fora do Sambódromo, e caso resista 48 horas, será criativíssima porque vai deflagrar a discussão do Carnaval num foco cultural amplo.
Folha – O que é preciso repensar?
Gilberto Gil – É uma opção que precisa ser feita. Talvez para a Mangueira seja mais interessante fazer como o Ilê-Ayê (bloco baiano), se preservar mais, não crescer muito. Para continuar sendo o emblema mítico, a referência e desembocadura cultural da tradição, a Mangueira deve se preservar de certas atitudes, abrir mão do sucesso, para se conservar criativa.
Folha – A Portela, pela qual você torce, também estaria sendo descaracterizada?
Gilberto Gil – Este ano fiquei extremamente gratificado em ver a Portela, que precisava há muito tempo exigir mais de seus elementos internos. Por exemplo, o samba este ano tinha a primeira parte em tom menor, o refrão e a segunda parte em tom maior, no melhor da nossa tradição. Foi o samba que mais gostei. A bateria da Portela com certeza era a que tinha maior percentual de idosos, o que significa a presença da velha guarda. A Portela saiu belíssima como há muito não via.

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