São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 1994
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Simplificação x prisão

A sonegação de impostos no Brasil atinge níveis tão alarmantes, admitidos até em estudos do próprio governo, que qualquer medida destinada a atenuá-la tende a ganhar adesão instantânea do público.
Feita essa constatação, é preciso, no entanto, apontar pecados capitais na Medida Provisória 427, editada quarta-feira pelo governo e que agiliza a decretação de prisão judicial de pessoas que estejam contabilizando tributos sem contudo repassá-los ao governo.
O primeiro pecado é de forma. A MP é um instrumento destinado a casos de extrema urgência, que não podem aguardar a tramitação, invariavelmente lenta, dos projetos de lei. A MP 427 não tem essa característica de urgência.
Um segundo e mais grave pecado é a prisão para um tipo de crime que deveria ser punido de outra forma. Esta Folha tem defendido enfática e reiteradamente a imposição de penas alternativas para crimes cujos autores não ofereçam risco físico para a sociedade. Salta aos olhos que equiparar o sonegador a um assassino é um exagero.
Além disso, a disposição para sonegar aumenta na razão direta da percepção de que o governo usa mal os recursos que capta junto à sociedade, na forma de tributos. É evidente que esse argumento não pode servir de habeas corpus para a sonegação, mas, se deseja atacar o problema nas suas raízes, o governo deve estar atento à necessidade de retribuir, por meio de uma boa administração, os recursos que extrai da sociedade.
Nessa mesma linha de raciocínio, outro fator que estimula a sonegação é a intricada legislação tributária brasileira. São tantas os regulamentos tributários que acaba se tornando fácil confundir-se o sonegador de má fé com aquele que deixa de pagar o tributo ou por ignorância de uma determinada norma ou por impossibilidade de suportar a carga tributária. Há casos em que o empresário fica no dilema: ou paga os salários de seus funcionários ou recolhe os tributos devidos.
Como se está em meio a um processo de revisão constitucional, mais adequada do que a MP que facilita a prisão de sonegadores seria uma proposta global de reforma tributária, que simplificasse a vida dos contribuintes corretos e punisse com o devido rigor os sonegadores. A evasão tenderia a reduzir-se sem que fosse necessário aumentar a população carcerária.

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