São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

E o bicho continua

Em maio do ano passado, o Brasil foi surpreendido com a notícia da prisão daqueles que eram considerados os grandes chefes do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Disseminou-se então, por todo o país, a impressão de que a impunidade histórica dessa atividade ilícita havia sido rompida. Pois os meses seguintes e, agora, o Carnaval bastaram para desfazer essa impressão.
De fato, ainda presos os 14 principais bicheiros do Rio, o bicho prossegue hoje nas esquinas da cidade como sempre ocorreu. Continua também tão confiável para os apostadores como antes, fenômeno digno de nota para uma atividade sem regulamentação oficial. Do mesmo modo, escolas de samba cariocas parecem ter recebido recursos do bicho este ano. Até homenagearam seus benfeitores presos.
A situação, note-se, não é diferente em São Paulo, onde esse jogo também funciona como sempre, à revelia das tribulações legais envolvendo o maior banqueiro local.
Apesar de toda a repercussão que teve a prisão dos bicheiros, portanto, o realismo alerta que, na prática, nada mudou. Não se trata de ignorar a condenação de 14 criminosos, mas de ressaltar que não se deve nutrir ilusões (como fizeram muitos) de que isso possa jamais solucionar a questão do bicho.
E que ela precisa de uma solução é inegável. Afinal, são notórias suas ligações com a violência e, suspeita-se, com o narcotráfico. Os bicheiros cariocas, afinal, foram presos por formação de quadrilha armada, enquanto o paulista Ivo Noal está sendo acusado de assassinato.
É preciso assim buscar saídas corajosas e eficientes. Merece ser debatida, por exemplo, a legalização do bicho, medida que permitiria regularizar esse jogo, tributando-o e desvinculando-o da criminalidade.
A discussão se faz necessária também na questão das drogas, de certa forma semelhante por tratar de uma prática disseminada e de difícil repressão. Embora muito mais polêmica, também aqui a tese da descriminação merece ser considerada sem preconceitos. São temas afinal cuja complexidade descarta soluções fáceis. Exigem, exatamente por isso, que a sociedade brasileira os enfrente de forma tão profunda quanto corajosa.

Texto Anterior: DESTINO DE LÍLIAN RAMOS; ITAMAR EXPIATÓRIO; UMAS E OUTRAS; APENAS SILÊNCIO; COISA APRENDIDA
Próximo Texto: Xerife atrabiliário
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.