São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 1994
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Ainda a questão social

JOSÉ SARNEY

Os índices brasileiros são de dar calafrios e, às vezes, causar perplexidade sobre a situação de tranquilidade do país, se podemos chamar de tranquilidade a verdadeira guerrilha urbana que vivemos.
Há um dado que me preocupou bastante. Em 1990, o consumo de trigo por pessoa, no Brasil, era de seis quilos. Hoje, é de três! Ora quando se chega a restringir pão, o alimento básico e mais fundamental na alimentação do povo, é porque tudo mais já foi por água abaixo.
No período de 80 a 85, a renda "per capita" nacional caiu 1,05%. No período 85 a 90, ela cresceu 13%. Nos dois anos de Collor, ela caiu 9%. A população cresceu, a produção diminuiu, e entramos num período de recessão e a renda voltou a níveis de dez anos atrás.
A produção agrícola, que chegou a 71 milhões de toneladas, depois de 90 não passou mais da casa dos 60. O PIB, que cresceu em 25% entre 85 e 90, passou a ser negativo, com a população aumentando 2% ao ano.
E o que não falar dos salários? Estes tiveram seu poder aquisitivo reduzido à metade. Com todos os esforços e todas as retóricas, não conseguimos que o salário mínimo ultrapassasse a média dos 60 dólares!
A violência urbana passou a ser algo de violentar e queimar nossas consciências. Mata-se nas prisões, nas ruas, à luz do dia, no silêncio das noites. Matam-se meninos, mulheres e, no campo, há uma pressão contida, mas permanente e sempre a oferecer amostragens do que ocorre na questão fundiária.
A revisão constitucional, a esperança que alimentamos para retirar do país do gesso institucional em que está mergulhado, não aconteceu. Florece apenas o casuísmo. O que se discute: o nada, o antidebate, e todos se rejubilam na idéia de que a CPI do Orçamento tudo resolveu.
A ética não pode ser apenas uma filosofia que se aplica ao Orçamento. É ética a violência, a injustiça, a fome, a miséria? Estes males estão na escala de valores abaixo das verbas orçamentárias e dos seus gatunos?
Tivemos na nossa história a questão militar, a questão religiosa, que tiveram consequências. A questão social foi tida um dia como caso de polícia. Hoje, como ela está considerada? Ninguém sabe. Há uma apatia conivente na insensibilidade, que torna todos nós culpados em face de fome, da doença e da subvida que existe nas periferias do nosso desenvolvimento.

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