São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Sem passado, sem futuro

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
EDITOR DE ECONOMIA

Agarrados a mais de uma dezena de indexadores, viciados neles, os brasileiros podem temer apenas os índices que não conhecem. A proximidade da entrada em vigor da URV (Unidade Real de Valor) causa medo e ansiedade, a começar pela sua definição –os economistas vão enfim medir a inflação presente, criar um indicador que não carregue a memória do passado nem traga em si uma antevisão do futuro.
Que ninguém se iluda: a URV poderá ter toda a transparência necessária, mas corresponderá a uma aposta arbitrária do governo na inflação que lhe convém, na qual jogará todas suas fichas.
Desta arbitrariedade podem nascer outras. Não se sabe que mecanismos serão utilizados para provar que vantagens a URV, como indexador, terá sobre os bons e conhecidos índices usados pelo mercado, como o IPC da Fipe ou o IGP-M. Exceto para quem não tem o poder de determinar sua renda, como os assalariados, pois a URV levará os salários a terem correção no próprio dia de pagamento.
Que poder de sedução terá a URV sobre os empresários? As empresas poderão corrigir seus preços diariamente, mas hoje também podem fazer isto e nem sempre fazem para não assistirem a uma queda em suas vendas, terem seus compradores arrebatados por concorrentes etc..
Pela sua natureza, a URV vem para desinflar preços da brutal inflação que carregam em sua memória. É um índice com uma missão especial, a de reduzir primeiro e aniquilar depois a indexação generalizada. Sua virtude pode ser a engenhosidade, o que por si só não comove multidões.
Entre o apelo à espontaneidade dos agentes econômicos para adotá-la e o mecanismo interno do plano saltam oposições. Na principal, a equipe se debate agora com a discussão das "médias". A estabilização só virá se empresários aceitarem não apenas não manter preços atualizadíssimos, mas também deixarem de fazer acréscimos por conta das incertezas que inevitavelmente rondam as grandes mudanças das regras do jogo econômico.
É mais fácil um boi voar do que isto acontecer, o que vale também para os sindicatos. Com calma, se o esquema da URV não desse certo, seria abandonado à própria sorte. Com curto espaço de vida, como parece ser o prazo que a ela lhe reserva a equipe econômica, dificilmente o final da transição virá sem uma grande intervenção, compulsória, com tablitas e o resto.

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