São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 1994
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Acordo ortográfico cria nova polêmica

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A reforma ortográfica da língua portuguesa, que está sendo discutida no Congresso brasileiro –ou deveria estar– pode criar muitos problemas ao país. Pelo menos esta é a opinião do escritor e jornalista Autran Dourado, 68. Do outro lado do "front" das grafias, o escritor português José Saramago, 71, acha que Dourado deveria reclamar menos e estudar mais.
Para Dourado, as vantagens trazidas pelas mudanças, que unificariam a ortografia portuguesa, não compensariam as desvantagens. A ortografia atual adotada no Brasil foi aprovada em 1943, e sofreu algumas modificações em 1971.
O autor de "Os Sinos da Agonia" e "Ópera dos Mortos", deu uma entrevista a um jornal português (o "Público") falando mal do acordo, e com isso começou mais uma polêmica.
Dourado disse ao jornal, em uma reportagem publicada no começo deste mês, que não entendia muitas frases de autores portugueses. Saramago, considerado um dos maiores escritores portugueses contemporâneos, e muito conhecido no Brasil (o sucesso de vários livros seus aqui, entre os quais "A Jangada de Pedra" e "Memorial do Convento", é inegável), reagiu. Saramago deu uma declaração via fax à Folha dizendo que ele é que não entendia os argumentos de Dourado contrários às mudanças.
Para Saramago, Dourado deveria deixar de protestar nos jornais contra o acordo ortográfico e "estudar o que lhe falta". O escritor português diz que "o futuro do português como língua de comunicação está radicalmente ligado às fronteiras dos mundos africano e brasileiro".
Dourado, que está terminando de escrever um romance em Petrópolis, disse em uma entrevista por telefone à Folha que podia entender as razões da irritação portuguesa sobre sua posição, mas que insisistia nos prejuízos que o acordo ortográfico, "que não está sendo discutido, e nem o foi, no Congresso Nacional", traria ao país.
Para Dourado, a mudança –se for realmente levada a efeito– só servirá para satisfazer "a vaidade de dois ou três filólogos e aos interesses de dois ou três políticos", sem dar nomes. "Além disso", diz ele, "todo o esforço brasileiro, das editoras brasileiras, só para dar um exemplo, no campo do software e de livros e dicionários informatizados, cairia por terra. É o caso do dicionário Aurélio, que tem uma versão para computador, ou do dicionário Michaelis. Obviamente, eles não serviriam mais. Por que jogar fora tanto dinheiro e trabalho?"
"É verdade que somos um país rico, por isso podemos nos dar ao luxo de gastar fortunas. França, Grã-Bretanha, Alemanha, Estados Unidos, estes países são pobres. Eles não mudam toda hora de ortografia. Nós, que como se sabe, somos um país rico, sim", disse o escritor, ironizando.
O acordo foi fortemente criticado em Portugal e no Brasil. Alguns críticos chegaram a acusar o filólogo e ex-ministro da Cultura do Brasil, Antonio Houaiss, de ter interesse pessoal na mudança. Os governos dos dois países manifestaram-se a favor da unificação. O Parlamento português já aprovou as mudanças.

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