São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 1994
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Vila Socó pode acontecer de novo

MARCUS FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

Dez anos após o incêndio que oficialmente matou 93 pessoas, Cubatão (62 km a sudeste de São Paulo) ameaça produzir uma nova Vila Socó. Cerca de 10.000 pessoas, segundo estimativa da prefeitura, moram na Vila dos Pescadores em palafitas sobre o mangue e próximos aos oleodutos e ao terminal marítimo da Petrobrás.
O incêndio de 24 de fevereiro de 1984 na favela da Vila Socó foi motivado pelo vazamento de 700 mil litros de gasolina em um dos dutos da Petrobrás que atravessavam a favela. Segundo recenseamento do IBGE de 1979, a Vila Socó tinha 5.883 moradores.
No total, 17.000 pessoas moram em áreas perigosas em Cubatão, das quais a da Vila dos Pescadores é a de maior risco. A Defesa Civil de Cubatão aponta o bairro da Cota 95 (800 moradores) e a própria Vila Socó (6.000 moradores) como os outros locais onde podem ocorrer novos incêndios.
"A Vila dos Pescadores é o retrato exato do que era a Vila Socó na época do incêndio", diz a vereadora Zilda Aparecida Silverio Rodrigues (sem partido), 38, que trabalhou como enfermeira no resgate das vítimas da Vila Socó.
O curador do Meio Ambiente de Cubatão, Pablo Perez Grecco, 39, pediu em 1991 um laudo da Cetesb (Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Ambiental) sobre a existência de resíduos de produtos inflamáveis no mangue onde está a favela. "O laudo confirmou a presença de resíduos de gasolina na base das palafitas".
"Com certeza, as pessoas correm risco de vida, apesar do nível de segurança ser incomparavelmente melhor do que há dez anos", afirma o secretário de Defesa Civil do município, Sérgio Damaso. Ele acredita que as famílias somente estarão completamente seguras quando forem retiradas.
No bairro Cota 95, situado na encosta da Serra do Mar, 800 pessoas moram a menos de dez metros das tubulações da Petrobrás. "A faixa de segurança mínima é de 15 metros para cada lado dos dutos. Além disso, essas tubulações não são subterrâneas, o que aumenta o perigo", disse Damaso.
"A Petrobrás já pediu para que retirássemos essas pessoas. O problema é que o local é área de preservação ambiental, sob jurisdição do Instituto Florestal. Estamos aguardando autorização para poder agir na área", disse Grecco.
Atualmente, a Vila Socó não mantém nenhuma das características da época do incêndio. As casas são de alvenaria, as ruas são asfaltadas, o duto da Petrobrás foi urbanizado e a prefeitura construiu playgrounds para as crianças.
O próprio nome da vila mudou. "A gente mora na Vila São José. Vila Socó queimou", diz a dona-de-casa Lucia Sabino de França, 39, há 12 anos no local.
O número de mortos do incêndio de Vila Socó ainda é discutido. "A temperatura no meio da favela era de 3.000 graus", diz o coronel Nilauril Pereira da Silva, comandante dos bombeiros no incêndio.
Ata encaminhada à promotoria 30 dias após o incêndio pelo legista-chefe do Instituto Médico Legal (IML) de Santos, Carlos Afonso Novaes de Figueiredo, aponta a possibilidade da morte de 450 crianças. O documento, contestado pelas autoridades municipais e pela Petrobrás, afirma "não haver sido encontrado nenhuma criança com idade inferior a três anos".
Citando o Tratado de Medicina Legal, Figueiredo acrescentou: "Qualquer corpo humano exposto a uma temperatura de mil graus centígrados, ao ar livre, por uma ou duas horas, não deixa vestígios".

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