São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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"Rei" impera na guerra das cervejas

CARLOS CALADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele chora em cena, elogia as gordinhas, invoca Jesus e Nossa Senhora, apela ao otimismo nacional e sai do palco jogando botões de rosa. Os 1.500 convidados da Brahma, que quase lotaram o Teatro Municipal de São Paulo, anteontem à noite, não viram apenas mais um rito musical do "rei" Roberto. Conheceram também um poderoso garoto-propaganda, que promete desequilibrar a velha guerra das cervejas.
Quem poderia ser mais convincente do que Roberto Carlos? O "rei" é autêntico ao ponto de combinar um meio-smoking azul-marinho com um sapato branco –e arrancar a gravata logo no segundo número. Tem o carisma de um pastor evangélico ao cantar pérolas como a majestosa "Nossa Senhora", ou a premonitória "Ele Está pra Chegar". Transmite segurança, controle e "savoir-faire", mantendo ininterrupta uma carreira de três décadas.
Se antes tentou emprestar o requinte e a modernidade da Bossa-Nova através do papa João Gilberto, agora a cervejaria aposta num interlocutor que sempre transitou com facilidade por todas as classes sociais. Alguém que fala a língua do "povão", mas consegue empatia até com os socialites que encheram o Municipal. Um artista, como Caetano Veloso já definiu bem, que sintetiza o insconsciente coletivo nacional.
Ufanismo e futebol
O show de anteontem –uma versão reduzida do que volta a ser apresentado hoje, no ginásio do Ibirapuera– já começou em tom ufanista. Ao som de "Verde-Amarelo", um clipe promocional resumiu os feitos e conquistas mercadológicas do "rei", sugerindo a futura vinculação de sua imagem vitoriosa à Copa do Mundo e, claro, à Brahma. Só faltou chamá-lo de Pelé da música brasileira.
Daí em diante o marketing todo ficou por conta do próprio "rei" e seu séquito musical –a banda com 16 músicos e maestro. Não faltaram nem mesmo os inevitáveis efeitos de fumaça e laser, reforçados por uma longa abertura instrumental em tom grandiloquente de "new age" eletrônica. Realeza tem dessas coisas.
O roteiro resume fases e faces do "rei", da época da Jovem Guarda (um "medley" com "Festa de Arromba", "O Calhambeque"', "Lobo Mau", e "É Proibido Fumar") à fase motel-romântica ("O Côncavo e o Convexo"'), com direito a uma inesperada incursão filosófica sobre amor e anatomia, que culminou com o próprio "rei" cantando, singelo, o jingle da Brahma.
Para delírio das baixinhas e gordinhas presentes, o "rei" não deixou de homenageá-las também. Em uma levada caribenha, cantou "Mulher Pequena" e o novo hit "Coisa Bonita". "Eu realmente não suporto injustiça. Por que essas mulheres se maltratam para perder cinco ou dez quilos na academia?", protestou, magnânino, aplaudido com euforia pelas mais rechonchudas da platéia.
Nem mesmo as pequenas escorregadas comprometem a imagem do "rei", que no palco certamente supera a sombra de seus discos. "Às vezes a gente escreve letras muito grandes", disse meio envergonhado, em tom de desculpas, por ler quase todas as letras das canções em uma estante de acrílico, colocada a seu lado.
"Rei das emoções"
Porém, foi mesmo durante a entrega do troféu Nº 1, já ao final do show, que a cervejaria deve ter tido a certeza de que acertou sua tacada milionária. "Eu só queria continuar sendo um cantor", disse o "rei", humilde e emocionado, antes de chorar no ombro do publicitário Eduardo Fisher. "Ele é o rei das emoções", carimbou no ato o "dono" da conta publicitária da Brahma, entregando o troféu dourado. Um garoto-propaganda perfeito.

Show: Luz
Artista: Roberto Carlos
Onde: ginásio do Ibirapuera (r. Manoel da Nóbrega, 1.381, tel. 887-3500, Ibirapuera, zona sul)
Quando: hoje, às 21h30
Ingresso: CR$ 5.000 (arquibancada); CR$ 15.000 (numerada superior); CR$ 25.000 (numerada); CR$ 30.000 (VIP prata) e CR$ 45.000 (VIP ouro)

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