São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Cidade Muda não cai no sonho de 'Alice'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é sempre que dá certo, no teatro, a passagem dos bonecos para os atores. O grupo Maturando, de Parati, um dos mais reconhecidos no mundo todo, na manipulação dos bonecos, conseguiu fazer a difícil passagem com "Rodin, Rodin", uma montagem que ainda reuniu várias formas de arte dramática e que estreou no ano passado. Foi uma peça de transição, bem claramente.
"Alice" tropeçou no caminho. A companhia A Cidade Muda entrou de cabeça numa montagem que exigia muito mais do que os seus intérpretes e a sua direção estavam preparados para dar. O resultado é um espetáculo que está bem longe do lirismo dos bonecos e mais longe ainda da atmosfera mágica da história que a companhia pretendia retratar, a partir do original de Lewis Carroll.
Na maior parte do tempo, a interpretação em "Alice" sofre de infantilismo. A representação de cada personagem passa muito distante, por exemplo, da loucura, da demência que seria a característica de muitos deles. Acaba surgindo como uma demência de teatro infantil, do pior teatro infantil. Ou seja, uma loucura inofensiva, para não assustar ou dar mau exemplo. Uma brincadeira, só isso.
Às nove da noite, era para esperar algo mais do que o teatro infantil. O público limitado, na apresentação de quinta-feira última, explica-se: não é fácil para uma platéia ouvir sem reação –ainda que seja apenas falando mal do espetáculo, para amigos próximos– sete atores que parecem acreditar que estão diante de uma platéia de crianças. Que falam com irritante condescendência.
E não precisava ser assim. Uma das cenas finais, ou esquetes, exatamente aquela em que Alice conversa com o Cavaleiro sobre seu sonho, chega perto da magia de "Alice no País das Maravilhas" e "Alice Através do Espelho", duas das fontes do espetáculo. Talvez por contar com atores mais experientes, como é o caso de Ney Piacentini, que recria em detalhe o Cavaleiro sem cavalo.
Mas uma cena ou outra –é possível citar ainda a breve mas bela imagem de um boneco que retrata o rei, dormindo tranquilamente– não corta a sensação de que a peça fica aquém do esperado, para um grupo festejado anteriormente por espetáculos como "Crack" e "Zoo". Mesmo os figurinos e as máscaras parecem tristemente datados –nos anos 80– ainda que causem impressão relativamente grande, como no Coelho.
Aliás, uma terceira fonte de "Alice", bastante definida, é o conhecido filme de Walt Disney. Está presente nos seus objetos de cena, nos seus figurinos, talvez também na sua interpretação. Quer dizer, é o que se pode pensar quando aparece no palco, por exemplo, uma rainha histérica como aquela de Rodrigo Lopéz ou uma Lebre de Março como a de Joelson Medeiros, que são, pelo menos, um pouco engraçadas.
Mas que também são, não tem jeito mesmo, infantis.

Título: Alice, baseado em Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll
Direção: Marco Antônio Lima e Maria Mirtes Mesquita
Elenco: Lúcia Romano, Ney Piacentini, Joelson Medeiros, Míriam Rinaldi e o grupo A Cidade Muda
Quando: Quinta a sábado, às 21h; domingo, às 20h
Onde: Teatro Ruth Escobar, sala Gil Vicente (r. dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. 251-4881)
Quanto: CR$ 2.400 e CR$ 1.200 (estudantes)

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