São Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994
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Hollywood investe na suavidade dos musicais

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Para enfrentar a freada na violência a que estão sendo constrangidos pelos mais variados setores da opinião pública, os grandes estúdios de Hollywood decidiram investir no mais suave dos gêneros cinematográficos: o musical. Nos desenhos animados ele já emplacou, conforme provam as bilheterias de "A Pequena Sereia" e "Aladim" ––e certamente provarão as de "Pocahontas" e "O Corcunda de Notre-Dame"––, prestes a saírem do forno da Disney. Já se fala com menos reticências em projetos longamente adiados, como "Evita", e em adaptações de "Cats" e "O Fantasma da Ópera".
Com seus direitos adquiridos por Oliver Stone, faz tempo que o musical de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, lançado na Broadway 16 anos atrás, vem sendo jogado para as calendas. Quase parou nas mãos inadequadas de Ken Russell e nem quando Madonna prometeu fazer qualquer coisa para ser Evita o negócio vingou. "Estamos inclinados a produzir 'Evita' sem Oliver Stone", revelou Ricardo Mestres, presidente da Hollywood Pictures. Putz!, que alívio. Com sua mão pesada, Stone não pode sequer dirigir um musical inspirado em "A Lista de Schindler".
Em recente reportagem do "Variety", todos os que apostam na ressurreição do musical apontaram o sucesso da versão para o teatro de "Crepúsculo dos Deuses", (Sunset Boulevard) como fator decisivo para o "revival" do gênero. Se alguem lembra os fracassos, na Broadway, de "My Favorite Year", "The Goodbye Girl", "Nick & Nora" ––e até mesmo de "Cantando na Chuva"––, todos igualmente derivados de filmes, o coro dos otimistas abafa a conversa com um exemplo, ainda fresco, plasmado na TV. Mês passado, um ambicioso "remake" de "Gypsy", exibido pela CBS, abriu as portas para o musical no video.
"Gypsy" virou filme pela primeira vez há 32 anos, com Natalie Wood no papel da rainha do strip-tease Gypsy Rose Lee. Aqui lançado com o título de "Em Busca de um Sonho", salvava-se apenas pelas musicas de Stephen Sondheim e Jule Styne. Gastaram na nova versão US$ 14 milhões, uma fortuna para os padrões televisivos. O esforço foi recompensado por uma ótima audiência, a tal ponto que seus produtores pretendem lancar o vídeo de "Gypsy" já este mês e comercializá-lo nos cinemas fora do mercado americano. Mas uma pulga ficou atrás da orelha dos seus patrocinadores: será que de fato vale a pena investir num gênero que só agrada em cheio o publico mais velho?~
Na TV, o buraco é mais embaixo. O público majoritário da televisão tem entre 18 e 25 anos. "Gypsy" pegou 46% de mulheres com mais de 50 anos. Sua audiência masculina ficou mais ou menos nessa faixa etária. Embora não se possa aplicar aqui a tese, em vigor no teatro, de que só as pessoas com mais idade frequentam a Broadway por causa do preço elevado dos ingressos, há que se levar em conta a falta de entrosamento das gerações mais novas com as convenções narrativas do musical tradicional.
"É duro vender musicais à antiga para o publico jovem", alega Michael Feinnell, que sofreu na carne o fiasco de "Newsies", produzido há dois anos com a chancela da Disney. "A garotada está acostumada com os videoclips da MTV, que não se preocupam em misturar fantasia e realismo, diálogos e canções. O musical é um gênero estilizado demais para cabeças duras e sensibilidades rudes". Como, então, explicar a total adesão da garotada a "Os Irmãos Cara de Pau", "Grease – Nos Tempos da Brilhantina" e "Embalos de Sábado à Noite"? Bem, isto foi antes de a MTV vampirizá-la.
O diretor James Brooks teve uma trabalheira dos diabos para integrar a música pop no recém-concluído "I'll Do Anything", estrelado por Nick Nolte e Albert Brooks. Após muito relutar, Brooks extirpou na montagem os "shows" de Prince e outros, não porque fossem ruins mas porque não faziam avançar a narrativa. É nisso que dá confundir filmusical com filmusicado. Nos filmusicais, as canções não só não interrompem a história como ajudam a queimar etapas.
Há pouco estourou em Houston (Texas) a versão para o palco de "A Bela e a Fera", com intérpretes de carne e osso. Enquanto ela tomava o caminho da Broadway, os telefones da agência William Morris não paravam de tocar. Por causa dos índices de audiência de "Gypsy", vários produtores queriam entrar em contato com alguns dos seus clientes, como Des McAnnuff, Jerry Herman e Bill Finn. Ou seja, "Tommy", "Alô, Dolly" e "Falsettos" vão virar filme. "She Loves Me", de Jerry Bock e Sheldon Harnick, produzido no palco pela primeira em 1963, deverá ser filmado ainda este ano.
"Vamos provar que o musical não tem idade e não foi condenado à obsolescência eterna pela estética MTV", assegura o compositor Alan Menken, com a autoridade de quem faturou os tubos com as cancoes de "A Pequena Sereia" e "Aladim".

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