São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

E se o monopólio acabasse?

ADRIANO PIRES RODRIGUES; DANILO DE SOUZA DIAS

ADRIANO PIRES RODRIGUES e DANILO DE SOUZA DIAS
A discussão acerca da revisão constitucional, apesar das inúmeras obstruções e da resistência política das forças comprometidas com a manutenção do "status quo", volta a entrar em pauta no Congresso Nacional. Contribuíram também para o atraso e a indefinição a CPI do Orçamento e as atabalhoadas manobras governistas visando a aprovação do Plano FHC, medidas tópicas de curtíssimo prazo que, ancoradas no contexto da revisão, podem conduzir a um resultado final desastroso. Pode-se perder a oportunidade de se retirar da nova Constituição os verdadeiros entraves à retomada do crescimento.
Temos insistido em inúmeras ocasiões –aqui mesmo na Folha– que o problema fundamental a ser equacionado pelos congressistas, no momento da revisão, diz rspeito ao redimensionamento do papel do Estado e ao redesenho de suas funções e responsabilidades sociais.
Isto porque o problema gerencial, operacional e administriativo das políticas sociais foi o espaço esquecido do aparelho estatal brasileiro nas últimas décadas, que, em seu lugar, erigiu gigantescas corporações, atuando monopolisticamente em setores produtivos –como o petróleo e as telecomunicações– que mostram-se cada vez mais incapazes de responder às exigências financeiras requeridas por um novo padrão de qualidade na prestação de serviços à sociedade brasileira.
Estas exigências não podem mais ser atendidas pela socialização de riscos inerentes à concorrência capitalista. Nesse sentido –e no que se refere ao monopólio do petróleo– temos mostrado, através de longo repertório de argumentos, a inexistência de motivações racionais que justifiquem a manutenção do monopólio da Petrobrás. Talvez mesmo seja lícito creditar a essa discussão uma certa mudança de comportamento por parte de alguns setores da esquerda brasileira, que já se dispõem a tematizar explicitamente o assunto, adotando posições mais flexíveis e menos dogmáticas.
É dentro desta perspectiva que se insere um questionamento mais avançado sobre o tema para, no caso do fim do monopólio, desenhar-se um quadro das referências básicas que reorganizarão institucionalmente a indústria do petróleo no Brasil. No tocante a este ponto, é importante que nossa cultura dirigista não prevaleça e, nesse sentido, que a retrógrada legislação que confere o monopólio estatal do petróleo não seja substituída por outra, excessivamente detalhista e controladora, que acabe inibindo a livre ação dos agentes ou criando novos cartórios, cujo acesso seja franqueado pela via da troca de favorecimentos.
A construção de um modelo aberto para a indústria do petróleo, no Brasil, que se imponha por sua feição competitiva, ampla desregulamentação e confiabilidade na garantia de aprovisionamento e inclusive adequação à preservação ambiental, implica em satisfazer alguns condicionamentos fundamentais, abrangendo instrumentos legais, administrativos, operacionais e econômicos.
1) Existência de uma "lei de hidrocarbonetos" que regule as atividades do setor, estabelecendo claramente as condições da nova configuração legal. A "lei de hidrocarbonetos" regerá todas as atividades do setor, as diretrizes da transição entre o regime de monopólio e o de livre mercado, bem como a organização e o dimencionamento das atribuições do órgão regulador e fiscalizador das atividades envolvendo petróleo, seus derivados e gás natural.
2) Reformulação do atual DNC (Departamento Nacional de Combustíveis) que deverá ser redimensionado, recapacitado e modernizado para assumir a responsabilidade pela aplicação da lei de hidrocarbonetos e pela seleção, desenho e licitação de áreas para exploração de petróleo e gás natural, as quais seriam revertidas ao seu controle e gestão, atuando com objetividade e transparência, a fim de evitar eventuais comportamentos monopolísticos, agindo como mediador dos interesses entre as empresas do setor e protegendo o consumidor e os agentes econômicos nos casos em que possam persistir tentativas de colisão.
As áreas atualmente em produção deverão ser concedidas pelo órgão regulador à Petrobrás, fazendo vigir, a partir do ato da concessão, as mesmas normas e procedimentos que irão regular todas as demais concessões outorgadas. No caso das áreas marginais, seriam abertas licitações de forma a permitir o seu melhor aproveitamento –liberando a Petrobrás do ônus próprio a esse tipo de investimento– possibilitando que pequenas empresas especializadas, inclusive os proprietários de terras, possam explorá-las.
3) Liberação das importações e exportações de petróleo, derivados e gás natural eliminando-se, em consequência, o monopólio comercial exercido pela Petrobrás. Com essa medida, possibilita-se que o mercado interno não mais seja tributário de pressões políticas e passe, definitivamente, a ser regulado pelos mesmos mecanismos que imperam no mercado internacional.
4) Estabelecimento do livre acesso a todos os terminais marítimos e redes de dutos para o transporte de petróleo, derivados e gás natural. Esta medida apresenta-se como condição "sine qua non" à implementação de um modelo concorrencial para o setor petróleo no Brasil.
5) Adoção de uma política de preços onde os preços internos do petróleo, derivados e gás natural reflitam as condições vigentes no mercado internacional ("border price"). Nesse sentido, o preço do petróleo de produção nacional refletiria o seu "custo de oportunidade". Ou seja, o valor CIF do petróleo equivalente importado, e os preços dos derivados, as margens de refino praticadas internacionalmente. Do ponto de vista do consumidor final, isso significa beneficiar-se da queda do preço mundial de óleo e derivados.
Com esse desenho institucional, encontramo-nos minimamente capacitados a responder à pergunta-título deste artigo. Se acabasse o monopóleo do petróleo, ganharíamos todos: ganharia o Estado, que poderia, sem o artifício do contrato de gestão, elaborar finalmente uma política fiscal ativa para o setor; ganharia a estatal Petrobrás, que se libertaria do jugo e da interveniência política e conjuntural do governo; ganharia o contribuinte, que não mais seria parceiro compulsório dos riscos de investimentos produtivos; ganharia, enfim, o consumidor e a sociedade que desfrutariam de um ambiente econômico competitivo e dinamizado em termos de investimentos e geração de novos empregos.

ADRIANO PIRES RODRIGUES, 35, é doutor em economia industrial pela Universidade Paris 13.

DANILO DE SOUZA DIAS, 37, é doutor em economia da energia pelo Instituto Francês de Petróleo.

Os autores são professores do Programa de Planejamento Energético da Coordenação dos Programas de pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/URFJ).

Texto Anterior: Fora de linha; Rota prioritária; Fora da realidade; A confirmar; Rodízio previsto; Nova parceria; Valor agregado; Negócios à parte
Próximo Texto: Governo apura variação de 41,67% nos insumos agrícolas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.