São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 1994
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Rio de Janeiro deve ser amado gratuitamente

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Amo o Rio de Janeiro. Uma cidade assim, que nasceu para ser amada gratuitamente, por seu cheiro, pelo que resta de seu passado, por sua sensualidade à flor da pele... Em Copacabana e no Centro criou-se um Rio paralelo, de camelôs, de gente que faz bico, que luta. Mas que inventou um novo modo de se relacionar com o mundo, com os outros, naquela grande feira ao ar livre. São naturais, espontâneos, articulados. Relações hierárquicas? Inventaram as suas, mais humanas. Regras, privilégios e tabus? Estão moldando os próprios. Nesta hora de crise, os copacabanenses criaram para si uma comunicação material, sensível, sem barreiras. É a velha, o velho, o malandro, o aleijado, todos na mesma, ombreando entre o mar e o mato, vivendo ferozmente. Existem normas de etiqueta e de decência, mas são outras. A velha de bengala é carregada pelo zelador, com carinho, e é ela que lhe cozinha os feijões do almoço. O homossexual divide o apartamento com o aposentado paralítico, e na manhã ensolarada empurra seu carrinho, e se divertem a ver a pelada na praia. É uma grande feira livre de velhinhas com cheiro de pêlo de gato, de turbante, bocas pintadas de vermelho. De velhos de bermuda, aposentados, interessadíssimos nas meninas. A democratização das idades, a suprema ventura de poder mostrar os estragos do corpo sem pudor numa aposentadoria minguada naquele sol morno da manhã, naquela sensualidade cálida. E os cheiros... Como uma sinfonia com a frase do refrão repetida, de porta em porta. O elevador que cheira a óleo de peroba e limpador de metais, o onipresente cheiro azedo do condutor de lixo, da área de serviço, os perfumes baratos, as lufadas de maresia.
Quanto à comida é assunto para muitas vezes. Comecemos pela Colombo que está sempre linda e não perguntem de quem é, porque vão responder que foi comprada pela Arisco. O que diria disto o português Lebrão! O fundador!
E pelo Rio, espalhadas em botequins, em casas, em bares de praça, o grande estandarte da comida brasileira. A comidinha. O prato alto de arroz muito branco, o feijão preto e a farinha, o bife e a salada de alface. Às vezes, uns quiabinhos. Para os dias de luxo, o belo bacalhau, os frutos do mar misturados ao arroz, a sardinha portuguesa grelhada. Numa casa ou outra, subindo por Santa Theresa, comida do norte, caprichada, com manteiga de garrafa. Em todos os lugares, sem exceção, a coxinha de galinha, a empada, o camarão recheado. Afinal, apesar de tudo, o carioca é um clássico, mas no fundo o espírito da coisa é que "sem sassaricar, esta vida é um nó".

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